37. RIO CLARO. NOVAS FORÇAS


A casa, onde fomos morar era mais um casebre do que uma casa. Era térrea com dois quartos e uma cozinha de 2 ou 3 metros de largura. O telhado estava todo arruinado e chovia dentro como se não houvesse cobertura. As portas e janelas, desconjuntadas. Do piso, só pedaços. Qualquer outra pessoa teria se apavorado. Nós, porém, para começarmos a fundação de uma nova casa estigmatina teríamos sofrido até males piores! Já estávamos acostumados havia vários anos!

A igreja não era grande, mas graciosa, simpática e suficiente para os fiéis. Com o tempo tudo se tornaria melhor, imaginávamos. O primeiro cuidado do Cônego Botti foi mandar colocar um telefone na casa. Não foi fácil, pois os operários não encontravam um lugar firme para pendurar o aparelho.

Poucas horas depois de instalado, no dia 6 de outubro, o telefone começou a funcionar. Fui chamado à Matriz para um batizado. Fui depressa e fiz pela primeira vez o quilômetro e meio a pé. Voltei para cima e, à tarde, outra chamada para confissões. Desci e fiz o mesmo trajeto a pé. Assim começou e foi crescendo a sinfonia nos dias e meses subsequentes. Ao me dar conta de que em certos dias era chamado duas, três, até quatro vezes, resolvi ficar na Matriz o dia todo e só voltar à noite para Santa Cruz.

Pe. Alexandre estava sozinho! Ele trabalhava, pintando, enfeitando e pondo em ordem nossa igreja. Ficaria mais satisfeito com uma maior presença minha. Veio também para Rio Claro Ir. Domingos e um pequeno índio. Por causa de nosso reduzido espaço, conseguimos uma cama e um quarto na casa paroquial. Todavia todos os dias eu ia à Santa Cruz para encontrar-me com os confrades e ajudar em diversos trabalhos. Tínhamos ganhado do Cônego Botti grandes colunas do altar da igreja matriz, que ele tirou para fazer novas e muito bonitas.

Pe. Alexandre pintou toda a ábside e, no meio do altar no alto, colocou uma coroa de ouro, luminosa, que continha no meio a relíquia da verdadeira Cruz de Jesus. Modernizou os dois confessionários e a balaustrada. Ir. Domingos consertou as portas e janelas. Foram colocados castiçais, lâmpadas e os bancos vindos da velha igreja matriz.

Na casa procuramos endireitar algumas telhas, mas a chuva entrava do mesmo modo. Não me recordo como e onde encontramos duas ou três camas, que se fechavam sobre si mesmas, por causa do espaço no quarto. Na cozinha só se podia estar um por vez. Dormia-se em dois ou três por quarto, sempre prontos a puxar a cama para um lado ou outro nas noites de chuva.

Ao vir para nos dar posse da paróquia o bispo de Campinas, D. João Nery, falou aos presentes: "Ajudem estes padres, que vieram para fazer um grande bem a vocês e moram, como vêem, na casa mais miserável de Rio Claro." Mais tarde pudemos alugar uma casa perto da igreja, um pouco melhor e mais cômoda. Com cordas e algumas pessoas derrubamos o casebre antigo e aumentamos um pouco o quintal do fundo.

O telefone tocava várias vezes por dia e me chamava logo cedo. Levantava-me às cinco e saía para distribuir comunhão às Irmãs da Santa Casa, do Puríssimo Coração e às do Hospital de São Vicente. Mais de quatro quilômetros a pé todas as manhãs, com chuva ou vento. Às 7 horas estava na Matriz, pronto para confissões e a santa Missa. E ficava em estado de alerta o dia todo para qualquer eventualidade. Trabalhei desta forma mais ou menos dois meses. Posteriormente, ajudados por Cônego Botti, compramos um cavalo e uma charrete. Ficou fácil para mim, atender os diversos conventos e para subir e descer da Santa Cruz.

Fiquei encarregado também da Capelania da Fazenda do Conde Prates em Santa Gertrudes, distante de Rio Claro nove ou dez quilômetros. Eu ia para lá sábado à tarde e ficava até domingo depois do meio dia, quando retornava. Era um passatempo. Encontrava muitíssimos colonos italianos, que quase sozinhos, trabalhavam na enorme fazenda. Os italianos foram sempre escolhidos, entre os diversos colonos de outras nacionalidades, como os melhores, mais trabalhadores, parcos e diligentes em tudo.

Na fazenda havia mais de nove milhões de pés de café. O trem corria no meio do cafezal. Transportava os preciosos grãos colhidos pelos italianos. Os grãos avermelhados eram jogados em grandes caixas, onde eram lavados e por meio de pequenos canais, transportados para imensos terreiros, onde secavam ao forte calor do sol. À tarde eram amontoados pelos colonos e cobertos por enormes encerados para protegê-los do orvalho, que no Brasil caía abundantemente. Se de noite ameaçasse um temporal ou caísse água, um sino chamava os colonos, que imediatamente amontoavam em vários pontos o café do terreiro, cobriam-no, deixando-o a salvo da água e umidade.

Uma vez seco, o grão de café era recolhido e transportado por vagonetas para uma potente máquina, que o descascava, dividia-o pela metade e o separava segundo a qualidade ou tipo. Limpo e escolhido caía nos sacos, que logo eram colocados em grandes pilhas nas tulhas ou enviados para a estação ferroviária. O Conde nos fornecia sempre café fresco trazido a nossa casa sem trabalho algum e nenhuma despesa. Tínhamos sempre três ou quatro sacos.

Eu atendia Ipeúna, Ferraz e outras localidades. Além disso, era capelão do Leprosário de Rio Claro. Na semana santa Pe. Alexandre e eu pregamos a primeira Missão em português em nossa igreja. Foi um sucesso.

Durante a gripe espanhola de 1918 estivemos ocupadíssimos dia e noite. O município colocou à nossa disposição duas carroças com cavalo para poder socorrer onde fosse necessário. Fui atingido pela mesma, mas só por 48 horas. Dois dias depois da gripe ter começado, o médico veio visitar-me e encontrou a cama vazia! Eu tinha ido com Cristofoletti (um trentino) à casa de sua filha, que preparou para mim e seu pai - também ele estava gripado - um saboroso caldo que tomamos com um litro de Chianti: santo remédio! Voltamos para casa sem nos lembrar da doença.

Em maio o pequeno índio quis voltar para a floresta. Partiu. Não foi tempo perdido tê-lo conosco. Ele tornou-se professor de catecismo para os outros índios e fez um grande bem.

Em junho de 1919, Pe. Alexandre partiu para a Itália a fim de tomar parte no Capítulo Geral. Ficou por lá, e eu fiquei sozinho por algum tempo, até que Pe. Pelanda chegou do Paraná para me fazer companhia.

Por ser o vigário de Cordeiro, cidade de 6.000 habitantes, eu devia ir lá várias vezes por semana. Para isso consegui do Diretor da Companhia Paulista o bilhete grátis que me dava o direito de viajar de estação em estação por toda a linha, à vontade, de primeira classe e sem pagar um centavo. Renovava-se a autorização no começo do ano. Mérito e bondade do diretor, Dr. Antônio Machado.

Em abril de 1920 parti para o Paraná e me uni a Pe. Ferrúcio. Aos 3 de novembro de 1920 chegaram em Rio Claro Pe. Albino Sella, Pe. José Tondin, Pe. Cirilo Zadra e Ir. Carlos Valenti.

No começo de fevereiro de 1921, Pe. Pelanda deixou Rio Claro para tomar posse da Paróquia de Castro, vacante com a morte de Pe. Casimiro Andrejewski.