23. CURIOSIDADES E ESTÓRIAS - II


O título da Crônica de Pe. Adami “MINHA PRIMEIRA VIAGEM” foi dividido em seis partes:
a) três (números 19, 20, 21) são dedicados às atividades apostólicas;
b) três (números 22, 23, 24) referem-se a curiosidades e estórias da viagem.

CRIAÇÃO DE PORCOS

Uma das principais indústrias do brasileiro era a engorda de porcos, especialmente nos estados do sul. No centro e mais ao norte a principal riqueza era o cultivo do café que nascia e produzia maravilhosamente. Este era a maior riqueza do Brasil.

Mais ao sul, usava-se a erva-mate, chamada chá do Brasil. Era uma planta baixa, cujas folhas eram secadas artificialmente. Colocava-se um pouco delas numa cuia pequena, que no sertão era feita de cabaça, muito bem limpa, deitava-se água fervendo e se chupava com um canudo de prata ou outro metal. Era um chá verde, que fazia bem ao estômago e era, sobretudo, diurético. O governo tirava vantagens econômicas desta indústria produtiva.

A engorda dos porcos era importantíssima. O caboclo escolhia seu lugar na mata. No tempo oportuno convidava todos os vizinhos (vizinho é modo de dizer, pois às vezes esses vizinhos moravam a 10, 12, 15 quilômetros de distância) para virem preparar a roça. Então, viam-se dezenas de homens, que, com cantos e animados pela pinga, cortavam com possantes machados as plantas, deixando só as mastodônticas. Faziam praça limpa, uma clareira larga, segundo a necessidade de quem os convidou.

A alegria durava muitos dias. A clareira, a parte da mata que ficara limpa, chamava-se roça. Deixavam passar cerca de quinze dias. Nesse meio tempo, devido ao calor do sol, as árvores cortadas, o mato e as folhas secavam. Então, o caboclo botava fogo que consumia tudo, deixando somente cinzas pelo chão. Extinto o fogo, o caboclo com um bastão de ponta de ferro passava por todo aquele trecho, deixando cair nos buracos, que ia fazendo com o bastão, dois ou três grãos de milho.

Passado um breve período após o plantio, os pés de milho apareciam por causa da fertilidade vigorosa da terra virgem. Um par de meses, eis a produção: cada pé com três ou quatro esplêndidas espigas. Então, o caboclo comprava porcos novos e magros, levando-os para a roça. Os animais se alimentavam à saciedade com o milho e os pés de milho. Ficavam bonitos, e com o passar do tempo, gordos e redondos como uma bola.

O caboclo plantador, ajudado por alguns amigos ou um rapaz que ele contratava, tirava os porcos da roça. Muito devagar e, sobretudo, à noite por causa do calor do dia, levava os animais à próxima estação ferroviária, onde chegava depois de um mês ou mais de viagem. Aí encontrava um comprador e voltava para casa com os contos de réis suficientes para viver durante o resto do ano.

Era um espetáculo à parte ver 500, 700 porcos, todos juntos e pretos, guiados por seus pastores! Andavam pachorrentos, com o focinho voltado para o chão, grunhindo. Quando deviam passar por um rio a cena era ainda mais bucólica. Muitas vezes vi-os atravessando o rio em Tibagi. Eram algumas centenas. Os guias os forçavam a entrar na água. Quando os primeiros da manada entravam, os demais os seguiam; nadando e agitando-se em meio às águas passavam para a outra margem. Nenhum se afogava. O porco tem casco fendido e é ótimo nadador.

A URUTU

A urutu é, talvez, a mais perigosa cobra do Brasil. Comumente mede de 60 a 65 centímetros; tem a espessura de 5 ou 6 centímetros; a cabeça larga e triangular com grandes escamas. É escura com anéis horizontais amarelo-dourados.

Examinei uma delas, abrindo-lhe a boca. Além dos dentes que serviam para comer, havia no céu da boca outros dois, longos como a agulha. Internamente tinha um pequeno canal que se comunicava com uma bolsa situada na raiz entre os dois dentes. Quando morde aperta com estes dois dentes a bolsa cheia de veneno, injetando-o por meio dos dois canais no sangue da vítima.

No tempo do calor e sem o antídoto a vítima morre em 2 ou 3 horas. Os missionários estavam sempre munidos de uma garrafinha de permanganato e de uma seringa para o caso de envenenamento por cobra. Com a injeção, se a pessoa não é curada completamente, ao menos se salva da morte. O veneno da urutu, da jararaca, da cascavel (a cobra com chocalho), da cotiara é de tal modo terrível que, mesmo com a injeção de permanganato, o membro atingido fica seco, encolhido e sem movimento.

Para as cobras pequenas e venenosas Deus criou um grande inimigo, a muçurana, cobra também, mas sem veneno e caçadora das venenosas; tem mais de um metro de comprimento, é preta e com 4 ou 5 centímetros de diâmetro.

Muitas pessoas morriam por causa da picada de cobra, justamente porque, vivendo nas matas e trabalhando nos campos, andavam descalças e sem proteção alguma.

A VIDA DOS ÍNDIOS

Os índios viviam em cabanas feitas por eles, fincando ramos na terra e cobrindo-os com folhas de bananeira. Um pouco de palha como cama e o "curu" para cobrir-se. As mulheres vestiam uma bata de algodão; as crianças ficavam sempre nuas.

A alimentação era o grão moído e cozido na água, ao qual juntavam um pouco de banha de veado, de capivara ou de cateto.

Eram ótimos caçadores e pescadores. Para caçar usavam flechas afiadíssimas, que disparadas pelos arcos geralmente acertavam os alvos. Assisti demonstrações de tiros realmente admiráveis; uma laranja atirada para o alto foi fisgada por uma flecha enquanto caía; matavam uma galinha atravessando-lhe a cabeça de olho a olho com a flecha. Arrancavam, a dez passos de distância, uma pequena moeda colocada num buraco feito no tronco de uma palmeira. Com flechas caçavam perdizes, veados, catetos e qualquer outro animal.

Possuíam flechas especiais, com aspas na ponta. Com elas atingiam o peixe que estivesse comendo na margem do rio; a flecha ficava presa no peixe que tentava fugir, mas era seguido com a canoa e tirado da água com a flecha que lhe atravessara a barriga.

A vida dos índios de nossa região era totalmente dedicada à caça e a pequenos trabalhos com objetos para o próprio uso. Com uma correia, que da testa descia até as costas, carregavam crianças e qualquer carga de grão ou cana de açúcar que ordinariamente pegavam ou roubavam. Andavam sempre em fila e jamais lado a lado.

Sabiam curar-se das picadas de cobras, mesmo das mais venenosas, com certas ervas, das quais somente eles conheciam o valor terapêutico. Ai do índio que desse a receita a um outro que não fosse de sua tribo! Seria condenado à morte! Sabiam cauterizar um dente cariado, que doía, com uma ponta de ferro colocada no fogo até que se tornasse incandescente; queimavam, desta forma, a cárie dentro do dente. Seus dentes eram ordinariamente belíssimos e sadios. Com o facão os afiavam, de modo que a mordida de um índio era violenta e danosa!

Sabiam tecer pequenos tapetes, fazendo dos joelhos o tear; depois os tingiam com cores que tiravam da mata e não desbotavam. Faziam pescarias de grande porte por meio de um traçado de bambu que colocavam numa corredeira ou cascata. Retiravam os peixes com cestos ou sacos. Defumavam-nos e os guardavam. Preparavam-nos sem o uso de sal, que desconheciam. Imaginem o cheiro que exalava dos peixes após algumas semanas! Todavia, era o sinal de que estavam no ponto para serem consumidos! Os índios gostavam muito de peixe.

Fidelíssimos. Quando um índio tomava conta de uma pessoa ou de alguma coisa ele executava fielmente o que assumira! Era terríveis no castigo a quem fizesse mal a um companheiro, ou pior ainda a uma mulher! Era toda a tribo que se movimentava e não se aquietava até que o ultraje recebido fosse pago com a morte do culpado.

Mesmo depois de convertidos ao catolicismo, conservavam o instinto e o sangue quente. Eu declararia santo o índio que não se vingasse de uma ofensa recebida!