43. ITÁLIA – BRASIL – CHINA


Em Gênova, no cais do porto, avistei um pessoal com barretes pretos na cabeça e cassetetes nas mãos. Perguntei e me responderam que eram os fascistas. Eu ainda não os vira! Os cassetetes deixaram-me muito preocupado.

No trem, de Gênova a Verona, aconteceu-me um episódio insólito. Eram oito da noite, comprei a passagem de segunda classe. Não via trens bonitos e cômodos havia muito tempo. Partimos. Pouco depois chegou o bilheteiro e quis ver a passagem. Pus a mão no bolso e não a encontrei. Procurei no outro e nada. Olhei para o chão, nada!
- Bem, disse-me o bilheteiro, procure-a com calma. Se não a encontrar faremos outra passagem. Procurei impacientemente. Apalpei aqui e ali. Nenhum resultado. Pensei que tivesse caído do bolso ao subir no trem. Ao voltar o bilheteiro paguei, pela segunda vez, oitenta liras.

Cheguei a Milão! Uma e meia da madrugada. Tinha uma hora de espera. Usei o tempo tomando café quente. Estávamos no fim de novembro. Caminhei de um lado para outro na parte coberta da estação, procurando de vez em quando a passagem perdida. Não a encontrei.

Parti para Verona! Não passou meia hora e dormi, mesmo irritado pela perda da passagem. Estava cansado pela longa viagem. O trem corria velozmente. Ouvi o bilheteiro informar os nomes das primeiras estações e depois apaguei. Foi quase sonhando, distante, fora de ar que ouvi: Verona-Porta Vescovo. Quando acordei e olhei pela janela o trem estacionara em Vicenza. Desci correndo. Eram três horas da manhã. Comprei um bilhete de entrada na estação e sentei-me num canto, na sala de espera! O trem prosseguiu para Veneza. O povo saiu da estação, apagaram-se as luzes e continuei ali, sentado, encolhido perto de uma lanterna a querosene.

Chegou o guarda da estação:
- Padre o que faz aqui?
- Espero o trem.
- Qual trem?
- O trem para Verona!
- Mas, chegará só daqui a duas horas! De onde veio o senhor?
- Vim de Gênova!
- Mas, então passou por Verona!
- Escute, senhor, sou um pobre missionário que acaba de chegar do Brasil. Tomei o trem em Gênova para Verona, mas cansado como estava, dormi e acordei aqui em Vicenza. Agora espero o trem que me leve de volta para Verona.
- E o bilhete de Verona a Vicenza? O senhor não tem, não pode tê-lo! O senhor deve pagar a multa!
-Tenha paciência. Sou um pobre missionário!

Ele foi compreensivo. Passou por cima de meu equívoco e me deixou ali esperando. Dez minutos antes das cinco comprei o bilhete de Vicenza a Verona-Porta Vescovo. Parti e cheguei em Verona-Porta Vescovo. O trem parou e partiu de novo e eu esperando para desembarcar em Verona-Porta Nuova. Passou o bilheteiro e me disse:
- Reverendo, o senhor deveria descer em Porta Vescovo! O senhor tem a passagem para Porta Nuova?
- Mas eu devo ir a Porta Nuova!
- O senhor deveria ter dito ao bilheteiro que desejava ir Porta Nuova. São vinte centésimos de multa. Paguei e pensei que aquela era minha viagem da Gata Borralheira!

Nos Estigmas encontrei Pe. Ferrari, que me ajudou na celebração da missa. Após cumprimentar os confrades, parti para são Máximo, a fim de ver meu pai. Ele estava um pouco melhor! Reconheceu-me, beijou-me e parecia que minha visita lhe tinha trazido reconforto e lhe dera mais coragem! Pobre papai! Tão bom, havia me abençoado catorze anos atrás, no momento da minha partida para o Brasil!

Para minha alquebrada mãe e para todos da família minha visita foi de grande alegria. O vigário da aldeia, que me serviu de um segundo pai desde o tempo dos primeiros estudos, beijou-me e quis que ficasse com ele muito tempo. Orgulhava-se de me mostrar e me apresentar a muitos de seus paroquianos que não me conheciam! Fez-me festa na Igreja, levou-me a passeios, deu-me tantos presentes bonitos e não sabia separar-se de mim.

Parecia-me ter visto também em meus confrades uma espécie de sentimento diferente, certa inveja. Quiseram conhecer detalhes da nossa vida missionária, da nossa Missão. Especialmente os jovens estudantes ficavam maravilhados e entusiasmados. Talvez minha visita tenha sido causa de alguma nova vocação missionária entre eles!

Assim entre visitas a parentes e amigos, assistindo ao pai enfermo, algumas semanas passadas em Roma e em outras casas Estigmatinas, fiquei seis meses na Itália.

No dia 10 de agosto de 1924 estava de volta ao Brasil trazendo comigo Pe. Alexandre Acler. Chegamos dia 11 em Rio Claro e no dia 12 partimos juntos para o Paraná. Pe. Acler foi a Tibagí.

No dia 16 de novembro, dia do meu aniversário, fizeram uma linda festa em Castro. Às oito horas Missa solene com comunhão geral das filhas de Maria e das Associadas do Apostolado da Oração. Depois da santa Missa um mar de congratulações e magníficos presentes.

Da casa, que alugáramos, passamos para uma outra mais bonita, mais espaçosa e mais próxima da igreja. Tinha todas as comodidades e foi comprada com grande sacrifício.

Entre os cuidados de Castro, de Piraí e das capelas espalhadas nas redondezas, tínhamos inúmeras ocupações. No dia 12 de abril fui a Socavão fazendo em dois dias cento e dois batizados. Pe. Sílvio Sega estava seriamente doente e sua súbita inesperada viagem a São Paulo nos encheu de ansiedade.

Na inauguração da nova capela que construí em honra de Nossa Senhora de Lourdes estava presente também o Superior Geral, que tinha vindo para a visita canônica. Ele pôde ver o desenvolvimento religioso da paróquia, seja na freqüência à igreja e aos sacramentos, seja na generosidade dos fiéis castrenses.

Já estávamos nos primeiros dias de outubro de 1925. Nossa nova fundação de uma Missão Estigmatina na China foi confirmada pelo Superior Geral. Tinha sido aprovada por uma votação individual de todos os sacerdotes estigmatinos. O Pe. Superior esperava quem se oferecesse. Apresentei-me imediatamente. O Superior Geral aceitou e depois de um ano e dois meses que eu chegara pela segunda vez da Itália, preparei-me para voltar a fim de ir para a China.

Foi publicado em "Il Bertoniano", por ocasião do centenário da Fundação do nosso Instituto, o seguinte artigo:

Um dos mais dignos sucessores de nosso Venerável Fundador, Pe. Pio Gurisatti, fiel ao comando de Pe. Bertoni "euntes in dioecesi et mundo", do qual herdara o zelo e o amor ao sacrifício do apostolado, confiando unicamente na Providência e na virtude de seus filhos, deixou que quatro deles atravessassem o oceano: dois se dirigiram para os Estados Unidos da América; os outros dois para o Brasil. Esses nossos pioneiros são verdadeiramente "sine sacculo et sine pera" (Lc 22,35 - sem bolsa, nem alforje). Não tinham dinheiro, nem apoio, nem conhecimento, nem recomendações.

Não eram assim os doze grandes conquistadores do antigo mundo pagão? Tinham o crucifixo, que constituía sua bandeira, a palavra de ordem, a força, o sustentáculo, a vida! Foi um milagre o fato de que os dois Missionários que foram para o Brasil tivessem conseguido um lugar naquele país. Foram terríveis os sofrimentos que padeceram, as lutas que tiveram que enfrentar, os obstáculos a superar, as privações, a fome, as intermináveis peregrinações.

Não lhes faltou nem mesmo a traição! Tais provas e obstáculos, dos quais um só seria suficiente para abater qualquer ânimo e bloquear a mais sólida vontade, não os desestimularam, nem lhes diminuíra a disposição. Pelo contrário, parece que a dor, o obstáculo e a traição injetaram em suas veias sangue novo, propulsor de grandes energias, de grande vitalidade. O sonho tornou-se realidade. A vontade do Pai, que do céu protegeu amorosa e providentemente seus filhos, cumpriu-se finalmente.

Aos nossos primeiros confrades seguiram-se outros. Seu exemplo foi miragem fulgurante que chamou e atraiu numerosas almas para alargar as preciosas e difíceis conquistas para o reino de Jesus, consolidando a obra que, sem exagero algum, poderia ser considerada temerária.

A obra solidificou-se realmente. Manifestamos profunda alegria pelas numerosas fundações nos Estados Unidos e no Brasil. Nelas os nossos pregadores da Boa Nova aprofundaram o tesouro do seu zelo, e sobre seus passos formou-se uma florida primavera, repleta de incalculáveis benefícios religiosos, civis e nacionais.

É a esta sedutora miragem que os nossos missionários de Tibagi imolaram generosamente as comodidades da vida, as rosas e esperanças da juventude e os afetos mais queridos do coração. Na busca de tão nobre escopo surgiram amarguras, que ainda permanecem ignoradas, que não encontram eco e nem se repercutem no nosso velho mundo, onde a vida é caótica e tão superficial que não permite aprofundar o bem realizado em todas as suas manifestações.

As realizações desse ideal de conquista movam os nossos missionários intrépidos e seguros, plenamente confiantes na proteção de nosso Pai.

Ao Venerável Pai adorado, que criou, suscitou nossos apóstolos e será para eles a fúlgida estrela vai, nesta a centenária comemoração, o nosso canto e nosso devoto reconhecimento. Saudamos entusiasticamente e de coração os ilustres missionários com a promessa do nosso apoio moral e material. Chegue até eles a expressão da nossa gratidão e da nossa admiração. Receberão de Deus o prêmio justo.

No dia 16 de outubro de 1925 deixei a Paróquia de Castro e, acompanhado pelo Pe. Sílvio Sega muito doente e que se encontrava em Rio Claro, parti para Santos. No "Duque d'Aosta" zarpei para a Itália, a fim de me unir aos confrades Pe. Fantozzi, Pe. Martina e Pe. Caimi, com o objetivo de abrir nova fundação na China.

A viagem foi horrível, não por causa do mar, mas pela doença de Pe. Sílvio, que não conseguiu repousar. Ele sofreu muito com a viagem e chorou por longos 12 dias. Finalmente no dia 30 de outubro de 1925 cheguei a Verona, onde me encontrei com os companheiros de viagem para a China.

Fiquei no Brasil 15 anos e alguns meses. Fiz treze mil e duzentos batizados de caboclos e índios; novecentos e vinte e oito casamentos. Se houve alguma negligência da minha parte ou, devido às dificuldades e sofrimentos, não soube manter a paciência, perdoe-me o bom Deus e me dê a graça de ser melhor durante os anos que me conceder na Missão da China. Para lá vou de espontânea vontade e com todo o entusiasmo.


Pe. Henrique Adami
Missionário Estigmatino.