8. EM MARIANA


Para mim era uma grande satisfação quando de manhã, depois da missa, ia até a casa do bispo a seu pedido, e na sua sala fazíamos juntos a santa meditação. Tomávamos café e, depois, ele rezava o terço ou respondia cartas ou resolvia questões do múnus episcopal. Eu me retirava para o quarto a fim de estudar um pouco português e refletir ..., refletir.

Nos primeiros dias fiquei maravilhado ao ver Sua Excelência, de manhãzinha, passeando descalço pela grama do jardim para sentir a umidade do abundante orvalho da noite. Explicava-me que aquele era seu tratamento há muitos anos. Conseguira com ele um benefício extraordinário para a saúde.

Jamais o vi sem fazer nada. Sua mesa era parca e, durante a refeição, um rapaz que o próprio bispo preparava para o sacerdócio, lia um livro espiritual. Creio que depois do almoço descansasse um pouco. Às 14 horas ou 14.30 já estava trabalhando.

À tarde o bispo me convidava para um passeio, geralmente ao redor do palácio, que tinha um terreno espaçoso onde ele estava construindo o seminário. Na volta, junto com o secretário e os familiares, rezava-se o terço. Depois, eu ia para meu quarto estudar e refletir. Ele, no pátio do palácio, dava catecismo por uma hora a um grupo de negros e negras. Ao final abençoava a todos e se retirava para o quarto até a hora da janta.

Após o jantar, um breve recreio com todos os familiares e, saudando a todos com o “boa noite”, ia para seu quarto. Era bonito, e até poético, vê-lo aos domingos, indo à Catedral em seu palanquim, carregado por duas mulas brancas. A catedral era um pouco distante do palácio; ele no caminho abençoava a todos.

O seminário de Mariana era bonito e grande. A direção e o ensino estavam a cargo dos padres Redentoristas. Era o único seminário do gênero no Brasil, composto exclusivamente de estudantes negros, vindos de todas as dioceses brasileiras. Durante o recreio, os seminaristas, entre outras coisas, se divertiam com o ensaio da banda que nas festas alegrava a população, tocando em público. Eu achava estranho observar os estudantes: tudo preto, exceto o colarinho e os dentes. O bispo me dizia que eram bons e davam padres piedosos, cheios de zelo. Não duvidava de tal afirmação, conhecendo o bispo.

Depois de alguns dias da sua partida de Mariana, Pe. Alexandre escreveu-me contando sua vida de vigário em Sete Lagoas e como estava Ir. Domingos.

Das famílias, vindas da Itália, nenhuma ficou em Sete Lagoas, exceto os sobrinhos de Pe. Sanson; as demais se dispersaram para diversos lugares, maldizendo a sorte.

As cartas de Pe. Alexandre eram cada vez mais freqüentes e me pediam atenção para alguma proposta do bispo. Ele me avisou que, de Sete Lagoas, escrevia para um e outro lugar, com o objetivo de encontrar onde se fixar.

Chegou o Natal e o bispo me indicou um lugarejo, chamado Camargos, para rezar a santa Missa e fazer alguns batizados. Aceitei com prazer e entusiasmo. Cavalguei por algumas horas. Encontrei lá quem falasse um pouco de francês e pudemos nos entender. Recordo-me de que fiz dez batizados. Os primeiros da minha vida sacerdotal! E, como era costume em todo o Brasil, para cada batizado me deram 6.000 réis, que correspondiam a 18 liras italianas. Imaginem que sorte a minha! Mas não sabia que aquele dinheiro seria meu. Fiquei satisfeito quando, estando para entregá-lo ao bispo, ele me disse:
-Não, caro padre, esse dinheiro é seu.

E eu tinha necessidade, pois estava quase sem dinheiro, tanto quanto Pe. Alexandre.

Os dias passavam, e nenhuma boa notícia para nós. As cartas de Pe. Alexandre não chegavam mais, e eu não sabia o que fazer. Um dia o bispo me chamou e disse que recebera uma carta, sendo informado que Pe. Alexandre estava em São Paulo.

O bispo não gostou que Pe. Alexandre tivesse partido. Pe. Alexandre fora a São Paulo a fim de encontrar-se com um sacerdote que conhecera na Itália, um padre da Congregação dos Escalabrinianos, Pe. Luís Capra. Esperava com seu auxílio achar uma solução para nós. O bispo, no entanto, me falou que poderia nos oferecer Queluz. Contudo não foi possível porque outros padres se apresentaram antes.

Desta forma, nos encontramos mais divididos e distantes um do outro. Pe. Alexandre em São Paulo, eu em Mariana e Ir. Domingos em Sete Lagoas: a distância de três dias de viagem entre um lugar e outro. A cada dia eu esperava por novidade. Mas, que nada. Rezava e rezava muito. Tinha medo de que Pe. Alexandre, cansado de procurar um local e desiludido, resolvesse voltar para a Itália. Então, peguei uma caneta e lhe escrevi: “Caro Pe. Alexandre, você, agora, está em São Paulo; pergunte ao superior dos Escalabrinianos se há um pouco de feijão para mim. Também eu irei aí. Juntos, e com pesquisas, poderemos saber realmente o que decidir.”

Logo recebi a resposta: “Venha também você; Ir. Domingos está aqui comigo. E se tiver necessidade de dinheiro, mande-me um telegrama.” Avisei por telegrama o dia de minha partida de Mariana e da minha chegada a São Paulo. Dinheiro eu tinha, graças aos batizados caídos do céu em Camargos.