5. AS ILHAS CANÁRIAS


Deliciando-se com o mar, batendo papo, lendo, ouvindo milhares de histórias, chegamos às ilhas Canárias, sob um sol belíssimo e tendo à frente o mar que parecia um lençol flutuante e macio.

O Atlanta aproou em Las Palmas. Permaneceu parado por várias horas para abastecer-se de carvão e água, para carregar vinho, carne e verduras.
À chegada do navio ao porto, dezenas de homens e jovens correram para o convés. Vendiam gaiolas com canarinhos, chambres, frutas, artefatos de madeira talhados à mão, colares, croquetes, brinquedos. Não faltaram os cambistas que falavam mal todas as línguas, mas se faziam entender.

Descemos para terra firme. Pe. Sanson nos serviu de cicerone, pois ali se falava espanhol e em espanhol éramos zero à esquerda.

Porto de Las PalmasLas Palmas é uma linda cidade da ilha Grande Canária. Fica-se maravilhado à contemplação da vegetação luxuriante. Vêem-se palmeiras altas, flores belíssimas e frutos maravilhosos. Fizemos compra. Depois, por ruas e travessas, todas muito limpas e calçamento em bom estado, chegamos à Catedral, que é uma estupenda obra de arte. Apresenta-se majestosa com duas torres altas na fachada. Possui três naves. Está bem conservada. As pinturas são encantadoras e remontam a tempos antigos.

O grupo das Canárias é composto de sete ilhas importantes e outras sete pequenas. As ilhas em sua totalidade ocupam uma área de 3.300 milhas quadradas e sua população em 1900 era aproximadamente 358. 000 habitantes.

À tarde, partiu-se em direção ao Rio de Janeiro, Brasil, com o intuito de não mais fazer paradas.

Retomou-se a vida costumeira, que para dizer a verdade, começara a tornar-se monótona.

A tempestade e a borrasca não foram surpresas agradáveis. Provocaram terrível medo; mas, deixando de lado o perigo do naufrágio, foi um divertimento, um passatempo. Vivemos algo belo e macabro ao mesmo tempo. Assim foram o balanço do navio, os gritos e as ânsias de vômito, as montanhas de água que levantaram o navio bem alto e depois o deixaram cair como em precipício, as pobres vacas que se esforçaram por permanecer de pé e não o conseguiam, a correria dos marinheiros, as batidas de portas e toldos, o silvo do vento. Será que fiquei louco pensando deste modo? Não, admito que foi uma diversão pelo breve período de tempo. Se fossem dias e semanas sob essa tortura... não, não, é melhor mesmo a calma e a monotonia. É... existem outras maneiras de se divertir nas horas de monotonia. A própria companhia de navegação organizou a maneira de afastar a rotina da vida no navio.

Estávamos perto do Equador. Chegaríamos de um dia para outro. No entanto, os novatos, os simplórios, os que o passavam pela primeira vez, preparavam-se para o pulo. Já lhes fora dito que lá existia um obstáculo, uma corcova que se deveria saltar, e ainda alguns estavam acreditando.

Sem que ninguém percebesse, houve os encarregados de se informar sobre as pessoas que passavam pela primeira vez o equador. Qual a razão? No dia anterior a companhia de navegação serviu um excelente jantar a todos os passageiros – algo fora do comum – e mais ainda, doces, vinhos especiais, licores de todos os tipos, flores, músicas, danças, jogos.

Netuno (ou Poseidon), deus do mar, na mitologiaTerminado o jantar, surgiu de uma cabina o deus Netuno, considerado deus dos mares. Era um homem alto, vestido de vermelho, peruca branca, bigode branco, coroa na cabeça e tridente na mão. Sentou-se num lugar alto e alguns pajens o rodearam. Todos acorreram para ver e assistir a cerimônia. O deus Netuno levantou-se e dis- cursou para todos, especial- mente para os novatos em viagem marítima. Ele os chamou um por um pelo próprio nome e tendo-os diante de si, trocou-lhes o nome pelo de um peixe, batizando-os com um copo de champanha na cabeça. Ouvia-se uma gargalhada geral. Todos se divertiram e guardaram a lembrança da alegre cerimônia. Foi entregue a cada batizado um diploma de pergaminho, bem pintado e decorado como recordação do dia em que pela primeira vez passou o equador.

O divertimento continuou com a corrida de saco. Além disso, meninas corriam levando na boca uma colher com um ovo, e perdia quem o deixasse cair; houve os que tentavam tirar com a boca uma maçã de uma bacia com água; houve as mulheres que deviam passar uma linha na agulha de uma outra companheira no menor tempo possível; e muitos outros jogos com a finalidade de diminuir os dias tão longos no meio do mar.

No decorrer do tempo passou-se a viver como uma grande família. O capitão do navio e os marinheiros faziam visitas rápidas a todos os grupos. Nós já tínhamos escolhido nosso lugarzinho na popa, e aí rezávamos o breviário, o santo rosário e todas as práticas de piedade próprias dos estigmatinos.