12. O CASO IDALINA



Já fazia um mês que estávamos no orfanato de Pe. Faustino, quando um acontecimento desagradável perturbou não somente a nós, mas principalmente aos padres escalabrinianos e, sobretudo, ao virtuoso Pe. Faustino.

Pe. Faustino fazia um bem enorme com seu orfanato masculino e com o feminino da Vila Prudente. Eram numerosas as crianças que dele se beneficiavam. Além de acolher a todos os que se apresentavam tinha aumentado o número de leitos, tinha ampliado o refeitório, aumentado também a despensa. Eram numerosos os pais ou tutores que a cada dia visitavam seus filhos e voltavam encantados e satisfeitos para casa.

A finalidade do orfanato era afastar da corrupção órfãos e órfãs, instruí-los com a catequese e aulas. Tal bem desagradou aos invejosos e maus maçons que tramaram um modo indigno de destruir, se possível fosse, o próprio orfanato.
O que aconteceu? Um dia, apresentaram-se à direção do orfanato feminino da Vila Prudente duas pessoas perguntando por uma menina de nome Idalina. Pe. Cappello, Vice-Diretor que lá se encontrava, sem nenhuma suspeita, entregou a menina àqueles que julgava fossem seus pais ou parentes. Eles foram embora com a menina. Três dias depois bateram à porta do orfanato os verdadeiros pais de Idalina e perguntaram por ela a Pe. Faustino, que estava na Diretoria.
Foi-lhes dito que a menina fora entregue três dias antes.
- Mas a quem? Disseram espantados.
- Aos parentes, aos pais! Foi entregue por Pe. Cappello!
- Não. É impossível! Os pais somos nós! Onde está o documento da entrega? Quem a levou? Infelizmente, Pe. Cappello, justamente porque pensava que eles fossem os pais ou parentes, não exigiu documento algum!

Foi um grave erro que, em conseqüência, detonou um pandemônio, uma guerra. Imediatamente a maçonaria de São Paulo pôs a máquina em funcionamento e publicou-se nos jornais que Pe Faustino abusara da menina. Depois a matara e enterrara, possivelmente no terreno do orfanato, em Vila Prudente ou no Ipiranga.

A notícia correu de boca em boca. Pe. Faustino sofreu tremendamente, atacado por cartas e telefonemas. O caso tomou uma direção desastrosa. Em São Paulo, o povo reunia-se nas ruas, e era atiçado pela maçonaria, que envenenava as pessoas de Pe. Faustino e Pe. Cappello. De hora em hora aumentava o número de revoltados que ameaçavam marchar para o Ipiranga e colocar uma bomba no orfanato para destruí-lo. Que maldade diabólica!

Um dia, de tarde, era tão grande o povaréu que gritava nas ruas de S. Paulo, que a cavalaria teve de avançar mais de uma vez sobre a multidão para dispersá-la a golpes de sabre nas costas. Nenhum sacerdote podia mais sair à rua sem ouvir: "Onde está Idalina?" Gritaram, também, com Pe. Alexandre e comigo mais de uma vez. Numa delas tive que reagir. Pe. Deusdedit, viajando num ônibus, sentou-se num dos bancos da frente e foi agredido gravemente por uma senhora que estava atrás, sendo obrigado a passar alguns dias no hospital.

No entanto Pe. Faustino vivia na Vila Prudente, temendo alguma represália contra as órfãs. Os padres e irmãos do Ipiranga desceram todos para a igreja de Santo Antônio em São Paulo. Pe. Alexandre, Ir. Domingos e eu ficamos cuidando do orfanato. De Santo Antônio nos telefonaram:
- Cuidado! A multidão marcha pela rua que vai até o Monumento. Atenção! Pode chegar aí logo. Aqui há uma confusão infernal! A cavalaria dispersa os manifestantes!

Nós não sabíamos como agir. Tínhamos fechado todos os portões e entradas do orfanato e esperávamos, aflitos. Passamos a noite em claro, mas felizmente ninguém apareceu.

No dia seguinte, estacionou em frente da casa um carro de bombeiros com um oficial da polícia, que entrou no recinto do orfanato, começando a inspecionar tudo. Cavou na horta, esperando encontrar o corpo de Idalina.

Verdadeiros tolos! Não sabiam que era tudo invenção da maçonaria? Não conheciam Pe. Faustino, que há trinta anos estava em São Paulo sempre à frente de obras boas e humanitárias?

Um dia Pe. Faustino foi convocado a prestar depoimento no tribunal. Diante dos magistrados e de alguns personagens, entre os quais os pais de Idalina, teve que se defender. E se defendeu com galhardia, envergonhando a todos. Mostrou seu crucifixo de missionário e disse-lhes:
- Este Jesus sabe muito bem que sou inocente, e vocês também! A maçonaria quer destruir as boas obras. Inventou uma calúnia! Muito bem, lembrai-vos de que este Jesus saberá defender seus servos e julgará, um dia, todos aqueles que tramaram e levaram adiante ignóbil e perversa farsa.

Foi levado a tribunal ainda uma ou duas vezes, conseguindo não só desmascarar seus acusadores, mas até fazê-los tremer com suas palavras de sacerdote e de apóstolo da caridade.

No entanto, o terrível acontecimento entristeceu a todos por alguns meses. Nós já tínhamos ido para nossa destinação, quando se soube que Idalina fora encontrada na Bahia. A honra de Pe. Faustino fora lavada (não que precisasse disso, pois nunca a havia manchado). Tornou-se mais estimado pela população que o ajudava não só com orações, mas com ofertas continuas e generosas.

Não guardou rancor ou ressentimento. O Senhor abençoou suas obras, fazendo-as prosperar cada vez mais. Já me encontrava há alguns anos na China, quando soube de sua morte.

No ano seguinte, em Chicago, nos Estados Unidos, fui informado de que os padres escalabrinianos tencionavam introduzir a causa de beatificação de Pe. Faustino. Queira Deus possa eu, que o conheci tão bem, ser uma das testemunhas nos primeiros processos apostólicos.