14. RUMO À NOVA MISSÃO


Os cânticos que entoávamos ao sairmos de Castro, entrando nos bosques e campos intermináveis, mostravam quão grandes eram nosso entusiasmo e alegria, seguindo para nossa destinação definitiva.

Recordávamos todas as canções da Itália, de nosso juventude, do tempo de aspirantes nos claustros de Sezano. Não havia necessidade de marcar tempo, pois o carroção o fazia com suas chacoalhadas nos buracos e sobre as pedras com os cinco cavalos que o puxavam.

A estrada de Castro a Tibagi passava por alguns bosques densos, tinha alguns quilômetros de descida e subida e, finalmente, seguia plana no meio de campos sem fim. Era uma estrada de interior, que em tempo de chuva se transformava em barro e quase desaparecia. De vez em quando aparecia uma pedra ou um buraco, que fazia dançar o carroção puxado com grande força pelos cavalos sadios.

Nada disso nos aborrecia. Estávamos viajando para a nova Missão! Era nossa, totalmente nossa, estigmatina, depois de inúmeras peripécias, contrariedades e sofrimentos!

Ao balanço do carroção cantávamos loucos de alegria! Pe. Alexandre dizia:
- Se os confrades de Verona nos vissem, nos confundiriam com ciganos! Era verdade.

Durante toda a viagem somente encontramos duas casas e uma velha fazenda de vários quilômetros de largura e comprimento. Viam-se vacas, cavalos ou burros, que viviam e cresciam em plena liberdade nos infindáveis campos. Geralmente a casa do fazendeiro ficava nos fundos, rodeada de árvores e de um alto muro. Era guardada por vários e robustos cães. Ai de quem se aproximasse sem avisar!

Longe da casa do fazendeiro e no meio dos campos, ficava o rodeio (lugar no pasto, onde os animais se reuniam). Este era um lugar cheio de manjedouros e cochos, onde uma vez por semana, os homens encarregados da fazenda recolhiam as vacas, os bezerros, cavalos e burros, para dar-lhes sal, que lambiam devagarzinho. Criavam forças e engordavam, até que estivessem prontos para a venda ou para o matadouro. Em tal ocasião examinavam os recém nascidos, que ninguém sabe precisamente quantos fossem, curavam os doentes, e os marcavam com o selo da fazenda. Examinavam-se os cavalos, sua idade; pois, estes, quando chegavam aos dois anos e meio, eram levados para a casa da fazenda, domados por especialistas e depois vendidos no mercado.
Umas cinquenta vacas, as mais belas e férteis ficavam confinadas e mantidas junto da casa da Fazenda, para serem mungidas. O leite era consumido pelo pessoal que o ingeria com farinha de mandioca; era usado na fabricação de queijo e manteiga.

Meio dia. Perto de água que corria barulhenta e fresca, rodeada de plantas folhudas, fez-se a primeira parada. Era para fazer descansar um pouco os cavalos aos quais se deu um pouco de milho e capim. Foi um tempo para tomarmos refeição. Abrimos nossa sacola. Almoçamos pão e queijo, regando-os com um copo de cerveja. Foi a nossa primeira refeição ao ar livre, feita com os dedos e a seco; ao céu aberto. Gostosa pra valer! Que apetite! Estreei meu cachimbo novo, que foi meu companheiro em momentos complicados.

Depois de aproximadamente duas horas de descanso tocamos em frente. De novo o trote rotineiro, o sacolejo sobre pedras e buracos. Os cânticos tornaram-se mais animados e altos. Estalava-se o chicote. Os cavalos se animavam e os cincerros que levavam ao pescoço bimbalhavam.

Às cinco horas da tarde estávamos viajando havia dez horas, das quais oito trotadas. Encontramo-nos perto de outra corrente de água, rodeada de árvores frescas e densas. Paramos para passar a noite. Aqui era o ponto de parada das caravanas e dos viajantes, que a cavalo, faziam a estrada Castro a Tibagi e vice-versa.


Os cavalos pararam e Carlos deu-lhes uma boa porção de milho, pelo qual estavam ansiosamente esperando. Amontoou o capim perto do carroção, colocou o cincerro no pescoço dos cavalos e os deixou soltos. Não fugiriam porque estavam acostumados, e seguiam de perto a égua madrinha. Além disso, Carlos os vigiava uma boa parte da noite. Contou-nos que nas inúmeras viagens que fez nunca lhe escapou um cavalo.
E nós? Nós nos estiramos sobre a erva fresca. Não estava frio; o mês era dos mais quentes do ano. Alimentamo-nos um pouco; um pouco somente, pois tudo era escasso na sacola. Pensávamos onde e como dormiríamos à noite.

Oh, que bom! Carlos trouxe o necessário. Uma tenda forte, grande como as dos militares; trouxe cobertas largas e pequenas, pelegos. Pôs tudo em ordem e muito bem arrumado, debaixo da tenda.
- Senhores, quando quiserem as camas estão prontas. Obrigado, Carlos! Era realmente rápido e prático para viajar! Nós observamos tudo meticulosamente. Aquilo era uma escola para o futuro. Conversamos um pouco e recitamos a última parte do breviário e fomos dormir.

Não sei se os outros sonharam, pensaram em onças, que se diziam poder encontrar em qualquer lugar. Só sei que dormi e ronquei. Quando acordei era dia claro, bem claro. Não ouvi nada. Não sonhei! Estava realmente cansado! Já eram muitas as noites em que não dormia satisfatoriamente e feliz!

Carlos já havia dado milho a seus cavalos; já os tinha atrelado e estava pronto para a partida. Em pouco tempo estávamos todos sobre o carroção, alegres e contentes. Conversamos, rimos e cantamos como no dia anterior. Fizemos parca refeição enquanto atravessávamos um pequeno bosque. Dois veadinhos pularam de um lado da estrada e se afastaram correndo velozmente. Quantas perdizes vimos! No Brasil a fauna era abundante e muito variada.

- Lá pelo meio dia, ou ao mais tardar, lá pelas treze horas estaremos em Tibagi, disse-nos Carlos. Esticávamos a vista para fora da coberta do carroção para ver se aparecia algum sinal de vida humana, pois até aquele momento, com exceção de uma fazenda, não tínhamos visto casa ou pessoa alguma.

Às onze horas pudemos avistar as casas e a esbranquiçada igreja da cidadezinha de Tibagi. A três quilômetros e meio antes da chegada, margeia-se o grande rio que dá nome à cidade. Creio que fosse o terceiro do Paraná em grandeza. Tinha 250 metros de largura e, em certos pontos, chegava a oito ou dez metros de profundidade. Era um pouco impetuoso, mas isto não impedia o garimpo de diamante, de que era muito rico. Tivemos que atravessá-lo para entrar na cidade; e o fizemos com uma balsa, sustentada por um forte cabo de aço, e bastante comprida para caber o carroção e dois cavalos. Os outros três foram desarreados e levados numa segunda viagem. Para maior segurança, porém, nós apeamos do carroção, e de pé, sobre a balsa observamos a manobra da travessia.

Às 13:30 horas do dia 28 de março de 1911, finalmente, pusemos os pés no chão de Tibagi.