11. GRATA E AGRADÁVEL SURPRESA


Ao chegar ao orfanato, aconteceu-me a mais agradável surpresa de minha vida. Encontrei-me com o professor da infância que me havia ensinado o ABC em minha aldeia na Itália. Recordo-me ainda de quando ele partiu de São Máximo.

Eu era pequeno e sentia grande afeição pelo professor. Sabia que iria para o Brasil do qual eu não tinha idéia alguma. Sabia, apenas, que ficava na América e ir para a América era uma frase que fazia sentir calafrios. Ao vê-lo partir com toda a família, com Lucilo, meu melhor amigo, eu chorei!

E agora encontro meu professor Donatelli sadio, robusto, um pouco envelhecido sem dúvida, mas forte. Abraçou-me e beijou-me enquanto as lágrimas lhe inundaram os olhos. Via em mim o sacerdote e o missionário! Quantas coisas eu quis saber!

Fui à sua casa. Vi Catina; o filho mais velho Ítalo, eletricista; o meu caro Lucilo, motorista particular de uma família rica; Maria, já casada; Eugênia, crescida e quase recebendo o diploma da escola superior!

Meu caro professor se ocupava em ensinar ainda na escola do orfanato! Eu o visitava todos os dias. Ele, com certo orgulho contava minha história aos alunos, minha diligência nos estudos quando era pequeno; como eu sabia de cor "Dos Apeninos aos Andes", “O tamborzinho Sardo”, “A pequena vingança”, "Coração" de Edmundo de Amicis.

- Ei-lo aqui, é um sacerdote e missionário e foi meu aluno!

E uma lágrima escorria dos olhos cansados. Tinha aproximadamente setenta anos! À tarde voltava para a casa que havia comprado perto do orfanato. De manhã não faltava à missa, e aos domingos passava o dia inteiro conosco e com os padres do orfanato. Havia conservado toda a fé que tinha quando jovem. Cumpria seus deveres de cristão e de mestre com verdadeiro espírito de homem virtuoso. Viveu ainda alguns anos, e eu me encontrava em trabalho missionário quando ele voou para o céu a fim de receber o prêmio dos justos.

- Pe. Alexandre, e se você fosse conversar com o bispo de São Carlos do Pinhal? Talvez, quem sabe, encontraria um lugar para nós! Nós o acompanharemos com as orações.

Pe. Alexandre persuadiu-se e foi a São Carlos. Era uma viagem longa. Os trens, no Brasil, andavam vagarosamente, excetuando-se um ou outro que corria entre a capital e as grandes cidades!

O bispo de São Carlos ofereceu um local no limite da vastíssima Diocese de Barretos.
Era "um fim de mundo", com exceção do grande frigorífico que fornecia carne a meio Brasil. Fora isso, nada mais. Não era certamente um lugar apropriado para se fundar uma missão. Pe. Alexandre não pôde aceitar.

Na volta parou em Araras. Uma Comissão de homens ofereceu-lhe a direção de um colégio com o ordenado de 13 contos por ano (cerca de 39.000 liras) e mais um pagamento à parte se os padres quisessem lecionar.

Pe. Alexandre ficou em dúvida e prometeu responder por carta. Em São Paulo, colocou-me a par de tudo. Era um bom colégio, o pagamento compensador, mas a comissão era toda maçônica e devia-se depender dela. Discutimos juntos e resolvemos pedir permissão a Pe. Pio Gurisatti para, posteriormente, dar a resposta por telégrafo.

Após alguns dias chegou da Itália um telegrama com um determinante “não”, o que foi comunicado aos interessados de Araras.

Pe. Alexandre recorreu a seu amigo Pe. Luís Capra que era vigário em São Bernardo. Ele o conhecera na Itália havia muitos anos. Quem sabe com seu auxílio...

Pe. Capra era um amigo e virtuoso sacerdote. Recebeu Pe. Alexandre com as mais efusivas demonstrações de carinho. Reteve-o consigo por vários dias. Com seu modo de ser, alegre e generoso, animou Pe. Alexandre. Não garantiu, porém, providenciar-lhe ou encontrar-lhe um local de trabalho pastoral. Mais tarde... Quem sabe! Pe. Alexandre retornou sem definição alguma. Se fosse verdade que ter companheiros na desventura causasse alguma consolação era justamente isso que estávamos sentindo.

Enquanto procurávamos uma obra, quase encalhados neste mar escuro, vimos que ao orfanato de Pe. Faustino chegaram três Passionistas, dois padres e um irmão: Pe. Geraldo, Pe. Camilo e Ir. André, este mexicano. Tinham chegado da Itália há poucas semanas, também eles tentando fundar uma casa em qualquer parte do Brasil, possivelmente em São Paulo. Feita a apresentação, contaram que viviam situação semelhante à nossa, não tendo encontrado nada que tivesse sido prometido. Moravam na paróquia do Brás, acomodados, como podiam, na tribuna da igreja.

Enquanto Pe. Geraldo, superior, vagava de um lugar para outro, os demais ajudavam na paróquia. Pe. Camilo celebrando e pregando (no Brás, três quartos dos paroquianos são italianos) e Ir. André auxiliando como sacristão, varrendo, limpando cá e acolá. Buscavam comida num restaurante vizinho, pagavam-na e a consumiam na tribuna.
Estavam completamente incertos sobre o futuro, pois não achavam onde se estabelecer.

Podíamos nos dar as mãos. Contudo, foram felizardos. Com a morte do vigário de Pinheiros, o arcebispo de São Paulo entregou-lhes a paróquia situada na periferia da cidade. Começaram bem, e poucos anos depois haviam construído um pequeno convento. Chegaram da Itália outros padres e irmãos. Passaram a viver em perfeita observância de suas regras, com noturnos e penitências.