24. CURIOSIDADES E ESTÓRIAS - III


O título da Crônica de Pe. Adami “MINHA PRIMEIRA VIAGEM” foi dividido em seis partes:
a) três (números 19, 20, 21) são dedicados às atividades apostólicas;
b) três (números 22, 23, 24) referem-se a curiosidades e estórias da viagem.

OS MACACOS

A certa altura ouvi, ao longe, gritos confusos, vozes graves e roucas. Perguntei o que era; Bonifácio me disse:
- São macacos. Pedem chuva.

Pouco adiante vi em uma árvore alta, sete ou oito grandes macacos barbudos e quase todos pretos. Parei e os observei com muita curiosidade. Pulavam de galho em galho e depois ficavam olhando para nós.

Veio-me a idéia de experimentar a espingarda. Com um tiro dois deles caíram como se estivessem mortos, mas se seguravam com a cauda num galho e continuaram lá pendurados. Dei um outro tiro e vi que se espicharam, se contorceram, passaram a mão na língua e a esfregaram na parte ferida com gritos de cortar o coração. Senti-me tomado de indizível remorso.

Aprendi! Jamais atiraria num animal daqueles pelo resto de minha vida! Finalmente um deles caiu agonizante! Os sons que emitia, os movimentos das mãos e do corpo fizeram com que, arrependido do mal feito, eu montasse a cavalo e continuasse a viagem. Parecia-me haver matado uma criança!

BICHO DE PÉ E MALÁRIA

Encontrei-me com muitos doentes que pegaram maleita e bicho nos pés. O bicho de pé é um animalzinho quase invisível.

Ao se caminhar onde existem porcos, cabras, o bicho de pé entra debaixo das unhas dos pés, e algumas vezes nos dedos das mãos. No princípio não é visto, mas produz logo uma coceira desagradável. Dias depois aparece uma bolinha amarela. É preciso retirá-la procurando não rompê-la. Se não for arrancado o animalzinho que está dentro, multiplica-se e espalha-se por todo o pé, o que impede de andar.

Os índios sofriam por serem negligentes em se cuidar. Muitas vezes deviam ficar deitados por não poder caminhar. Outros estavam doentes de malária, muito difundida na região. Jataí é muito baixa. Está a 10 ou 20 metros acima do nível do mar. O rio é calmo; com as chuvas inunda tudo mui facilmente.

Quando a chuva passa a água abaixa, deixando nas margens um lodo pestilento, onde se criam os pernilongos e especialmente o “anofélis”, que é o transmissor da malária. O primeiro cuidado de quem tem malária é não comer verdura, especialmente crua.

Os índios se alimentavam de palmito, abundante e ao alcance da mão, pode-se dizer. Esta era a razão pela qual não saravam. Depois de muito tempo continuavam com algum incômodo físico, se não morressem. Os missionários tinham a medicação adequada: as pílulas “Esanfélis”, muito eficazes, uma invenção do professor Bacelli de Milão, italiano. Existiam as compressas de quinino e o fernet, que eles levavam consigo quando iam a locais infectados.

Onde os índios poderiam encontrar tais medicamentos? Houve um ano em que o Governo enviou um médico para tratar deles e de outras pessoas afetadas pela malária. Enviou-o com vasilhames cheios de compressas de quinino e outros medicamentos. Pagou-lhe 50.000 réis por dia! Qual o resultado? O médico parou em São Jerônimo, lugar salubre. Não viu nenhum doente. As compressas não chegaram a Jataí. Em um mês morreram mais de 60 pessoas!

No jornal "O Estado de São Paulo" li um longo artigo em que se elogiava o Doutor Carón que, com risco da própria pele e com enorme sacrifício, dedicara-se aos índios atingidos pela malária em Jataí!

O JACARÉ DO PAPO AMARELO

Outro, dia houve em Jataí uma grande confusão. Algumas mulheres estavam lavando roupa à beira do rio quando viram jacarés de "papo amarelo"! Foi um tremendo corre-corre, principalmente por parte daquelas que tinham crianças. De fato, são perigosíssimos. Podem pegar qualquer criança, arrastá-la para a água e devorá-la.

As mulheres fugiram e muitos homens armados de espingarda correram para o rio; mas os animais mergulharam e desapareceram. São grossos, com dois metros e meio a três de comprimento. É difícil matá-los com tiros de espingarda por causa da pele grossa, dura e coberta de crosta quase impenetrável.

Se alguém consegue pegar ou matar um crocodilo, o faz por meio de um grande anzol, no qual espeta um pedaço de carne, amarrando-o com uma corda ligada a uma árvore. Joga o anzol no meio do rio. O jacaré abre a imensa boca, abocanha a carne e fica com o anzol transpassado no palato. Vê-se, então, que a corda esticada balança sobre as águas. Dois ou três homens puxam-na para a margem e antes de tirar o animal o fulminam com um tiro na boca. É uma caça perigosa, mas os caboclos a praticam algumas vezes.

GARIMPAGEM

Acompanhei o senhor José para uma pesca de diamantes no rio Tibagi. Voltamos à tarde com saquinhos cheios de pedregulhos. O almoço foi feito na beira do rio com alguns pedaços de galinha cozida, misturada com a própria gordura e farinha de mandioca. A farinha apresentava-se saborosa ao paladar, mas depois de algumas mastigadas foi necessário beber água continuamente, porque não se consegue respirar; a farinha não descia.

Naturalmente a bebida foi a água do rio e um gole de pinga. Depois da janta, um pouco melhor que o almoço, examinei com o senhor José os pedregulhos trazidos nos saquinhos. Esvaziamo-los sobre uma mesa e procuramos os diamantes que deveriam estar escondidos entre os pequenos pedregulhos.
- Eu não os conheço, observei a José.
- Não os conhece? Espere um instante.

Ele colocou um lampião de querosene, com fogo alto, num canto da mesa e depois com as mãos espalhou os pedregulhos.
- Olhe aqui! Exclamou de repente! Isto certamente é um diamante! Oh! Veja se não o conhece!

Era de fato uma pedrinha brilhante como o sol, branca e quase redonda. Continuamos a procura e encontramos uma segunda. Algumas brilhavam, mas não muito; não eram diamantes e sim "pingo d'água" (quartzo).
- Muito bem, diz José, não perdemos o dia. Estes dois diamantes poderão me valer 400.000 réis cada um.
- Quer ver? Pesam certamente 6 ou 7 quilates cada um.

Tomou, então, uma pequena balança e num pratinho da mesma pôs um diamante e em outro foi ajuntando grãos de arroz. Seis grãos equivalem a um quilate. Ele, muito prático no negócio, não tinha errado de muito. Um pesava 30 grãos de arroz, 5 quilates; o outro um pouco mais: exigiu 42 grãos, pouco menos de 8 quilates. Quando forem lapidados perderão a metade do peso. Para um dia de trabalho, não estava mal.

ESTÓRIAS DE CAÇADORES

À tarde, depois da reza, apareceram dois cantadores com viola, que no meio de muita gente, queriam homenagear o missionário, cantando suas trovas sobre assuntos sugeridos por mim e pelo dono da casa. Diverti-me bastante, e todos ficaram satisfeitos como demonstravam suas fortes risadas regadas pela inseparável pinga.

Em certo momento pararam de cantar e começaram a contar histórias com o intuito de provocar risos e alegrar os ouvintes. Quando esses caboclos do sertão contavam qualquer história não sabiam falar de outra coisa a não ser de caça. Eram todos experientes caçadores, treinados desde cedo.

Começou Chiquinho. Sabia contar grossas e boas.
- Você não acredita? Aconteceu na Fazenda do Fernandes. Talvez a bicha estivesse seguindo a porcada que estava na roça! A bruta tinha onze palmos de comprimento e cinco de altura. Eu estava escondido e ela me passou a três metros de distância. Quando me viu e eu a vi, ela se levantou sobre as pernas de trás e abriu a boca para me pegar! Nossa Senhora!

- O que você fez? Perguntaram todos.
- Eu? O que fiz? Puxei depressa a minha companheira do lado, e a enfiei na boca da bruta até o fundo da barriga, e soltei fogo!

Então as risadas chegaram ao máximo!
- Vocês estão rindo? O bonito foi que, eu acreditava de ter matado ela, e ao invés, quando retirei a mão a bruta fugiu, porque o golpe tinha saído por traz sem feri-la. Ô, danada!
Não parávamos de rir, e Chiquinho junto conosco!
Esta é boa mesmo, exclamavam.

-E eu então? começou Gório. Fui caçar anta. Esperei por mais de uma hora; e ela veio, bonita! Eu estava de um lado do pequeno caminho, e zum zim zum ela vinha descendo. Quando parou diante de mim, apontei-lhe a espingarda na barriga e mandei bala. Eu estranhei um pouco, porque não ouvi o estalo do tiro; porém a bruta caiu.

- Não é possível! Exclamaram todos.
- Caiu, sim senhores! E quando puxei o facão para destripar ela e cortei a pele saiu um puuum fedido! Era o golpe que tinha ficado preso na barriga! Nossa Senhora das Dores!
Também aqui as risadas foram prolongadas. À meia noite fui dormir com a cabeça cheia de caçadas. Sonhei com animais e caçadores.