7. DESILUSÕES


De manhã, depois da santa Missa celebrada na Candelária (Catedral), voltamos para o hotel, onde começavam a chegar as famílias que tinham saído da Ilha das Flores.

À tarde, Pe. Sanson nos disse:
-Vocês podem ir com as famílias para Sete Lagoas; serão acompanhados até a cidade onde tudo está preparado para recebê-las. Eu irei amanhã.

Fomos até a estação. Adquiridos os passes coletivos, partimos. O trem era todo nosso. Os vagões eram pequenos e sujos. A bitola era de um metro só; a velocidade, reduzida. Após um dia e uma noite de viagem chegamos a Sete Lagoas. Algumas pessoas se encarregaram de acomodar razoavelmente todo aquele povo.

Nós fomos para uma pensão. Ir. Domingos ficara no Rio com Pe. Sanson. Soubemos mais tarde que pegou o trem errado e foi parar com nossas malas em Belo Horizonte. Encontrou-se com Pe. Grigolli em Sete Lagoas, quatro dias depois.
Na manhã seguinte perguntamos, inventando palavras em português, onde ficava o seminário ou colégio. Riram em nossa cara. Que seminário? Que colégio? E se entreolhavam.
- E onde é o lugar da colônia?
- A colônia será construída ainda! Antes de tudo, temos que levantar as casas!

Alugamos dois cavalos, e acompanhados por um guia, fomos ver o lugar da colônia e do colégio.

Depois de três horas de viagem chegamos a uma mata fechada. Eis tudo o que vimos: uma casinha de madeira, térrea, com dois quartos, recém-fabricada; e uma casa de barro, velha, quase caindo.
- E onde está o Colégio, perguntamos?
- O Colégio será levantado aqui, alguém nos dizia mostrando a casa de barro.
- E as casas para os colonos?
- Serão construídas, como aquela que vocês estão vendo ali.
- E isso é tudo?
- Sim... é tudo.

Voltamos imediatamente para Sete Lagoas, onde prevíamos encontrar uma espécie de levante. E de fato foi assim. Nesse meio tempo, as famílias informaram-se a respeito da Colônia. Nós lhes relatamos o que nos foi dito. Imaginem o desespero delas.
- E agora para onde vamos? O que vamos fazer aqui? Sem casa, sem trabalho! Tudo ainda a ser construído!

Alguns amaldiçoavam, outros proferiam blasfêmias no meio da rua, até mesmo as mulheres com crianças nos braços. Todos procuravam Pe. Sanson para ter uma explicação. Um pandemônio! Caos verdadeiro!

Pe. Grigolli e eu procuramos acalmar e pacificar os exaltados. Encontramos Pe. Sanson. Pe. Alexandre lhe disse o que devia e sem querer ouvir mais promessas, pois deu-lhe a entender que fôramos enganados.

Tomamos o primeiro trem para Ouro Preto e Mariana, a fim de encontrar e falar com o bispo que morava na cidade. Partimos de manhã e chegamos a Sabará por volta do meio dia. Aí devíamos esperar uma conexão com outro trem para Ouro Preto.

Ficamos totalmente perdidos na estação, olhando ao redor, estudando os horários, incertos do que aconteceria e do que faríamos.
No entanto, um mulato achegou-se a meu lado e disse:
- O senhor quer almoçar?
Voltei-me para o outro lado.
- O senhor quer almoçar? Quer almoçar? E continuava com a mesma pergunta. Eu não entendia nada, e um pouco agastado disse a Pe. Grigolli:
- Veja o que este sujeito quer!
Pe. Grigolli tirou seu dicionário do bolso, folheou, procurou, folheou, procurou. Finalmente descobriu o que ele perguntava.
- Diga-lhe que sim, meu caro, pois desde ontem à tarde não comemos nada.

Aquele homem nos levou a um pequeno hotel, e depois de tentar nos explicar que o trem para Ouro Preto só chegaria na manhã seguinte, nos perguntou:
- Vassuncêis querem sopa ou arroz?
Olhamos um para o outro e recorremos ao dicionário.
- Arroz, arroz, respondi.
- Vassuncêis querem frango também? E de novo ao dicionário.
- Sim, traga o frango.
- Vassuncêis querem vinho ou cerveja?
Entendemos alguma coisa por ouvir uma palavra afim ao latim.
- Cerveja, cerveja.

Começamos a comer, com o coração amargurado e a cabeça nas nuvens. Pensávamos no futuro.
Passamos a noite no hotel. Houve mais conversa do que sono, pois discutimos a nossa situação.

Na manhã seguinte não conseguimos celebrar e às sete e meia tomamos o trem para Ouro Preto, onde chegamos quase à noite.
Procuramos um hotel e encontramos um, cheio de gente que fez um barulho infernal durante toda a noite.

Precisávamos dormir, mas me recordo que não pudemos. À meia-noite estávamos numa pequena sacada discorrendo sobre nossos problemas.

No outro dia cedo tivemos que alugar dois cavalos, ou melhor, um cavalo, uma mula e um homem que nos pudesse levar até Mariana, pois de Ouro Preto não havia trem para lá. Ao meio dia chegamos a Mariana, e nos dirigimos imediatamente ao palácio episcopal procurando o bispo.

O criado que abriu a porta nos disse:
- O bispo está à mesa. Procuramos no dicionário a palavra mesa.
- Está bem, o bispo estava à mesa e nós esperaríamos aqui no banco.
No entanto, pensávamos: com o bispo poderemos nos entender, pois na pior das hipóteses, conversaremos em latim!

Pouco depois, o criado nos fez entrar e nos encontramos diante do bispo. Ficamos um pouco espantados, pois ele era quase negro.

Abrindo os braços nos disse:
- Ó padres! Que boas notícias me trazem? Falava um italiano perfeito.

Como podem imaginar, o nosso coração exultou! O bispo era culto. Falava oito idiomas, lia e comentava a Sagrada Escritura em grego e hebraico. Era também um verdadeiro santo como pude comprovar mais tarde. Chamava-se D. Silvério Gomes Pimenta.

Abrimos-lhe nosso coração. Contamos-lhe nossa história e a de todas as famílias que conosco tinham vindo da Itália. Ao ouvir-nos ficou perturbado e derramou lágrimas. Não por nós, que seria fácil ajudar, mas pelas famílias! Não sabia de nada. Tudo fora feito por Pe. Sanson, sem que lhe comunicasse.
- Muito bem, disse, vocês ficarão aqui comigo, terão comida e trabalho. Escreverei imediatamente a Pe. Sanson.

Almoçamos com grande apetite, e depois nos mostraram um quarto que nos proporcionou alívio e conforto. Mas ainda pensávamos e parafusávamos sobre nosso futuro. Um padre pequeno, mas de coração grande vinha visitar-nos freqüentemente; era o secretário do bispo.

Alguns dias depois Pe. Sanson veio a Mariana, e conversou com o bispo. Creio que os dois choraram. Mas o santo bispo certamente encontrou uma solução para a dolorosa situação.

Pe. Sanson foi visitar sua mãe por uma semana ou meses. Pe. Grigolli foi mandado pelo bispo, como vigário de Sete Lagoas. Fiquei sozinho em Mariana. Sobre Ir. Domingos, nada. Mais tarde me escreveram que Pe. Alexandre e Ir. Domingos estavam juntos em Sete Lagoas. Sobre as famílias, parte foi enviada a Mato Grosso, parte voltou para o Rio. Permaneceram no local somente os três sobrinhos do Pe. Sanson e Ir. Domingos, que fez a experiência do que significa fazer limpeza numa casa, onde crianças sujam, desarrumam tudo, gritam e choram dia e noite.

Felizmente era grande a nossa vontade de sair bem na empreitada! Felizmente não nos faltou, ainda que por um instante, o auxílio do bom Deus! Que dias terríveis! Que horas pavorosas!

Em meu quartinho, sozinho como um condenado a dura prisão, após cansativos dias viajando de trem, longe dos meus companheiros, perscrutava o crepúsculo através da janela. Nada havia que pudesse me alegrar. Diante de mim um pasto imenso; ao fundo, dois negrinhos brincando; longe, uma cisterna, aonde alguém vinha buscar água. Nem um barulho, nem um canto, nem um pouco de alegria. Tudo era triste... muito triste. O pensamento... na Itália, no Brasil, nos entes queridos distantes, no futuro incerto e confuso. Confesso que chorei! E o fiz muitas vezes! Porém, nem só um instante de arrependimento, nem o menor desejo de retornar para a Itália. Não! Deus o quis. Os superiores nos escolheram: dois jovens, para começar a obra no Brasil, e a obra tinha que vingar. Deus estava conosco!