33. DOENÇA DE PE. ALEXANDRE


Ir. Domingos vivia ocupado não só com a igreja, mas também com a horta que cultiva; esta era grande e tornou-se a maravilha de Tibagi. Além disso, cuidava de 2 cavalos, 4 mulas, uma ovelha, uma cabra, macacos, três esplêndidas araras, um pequeno cateto, um veadinho, um filhote de onça. Um verdadeiro zoológico!

O pequeno índio era muito bom, inteligente, mas em certos momentos tornava-se tão tapado, que a gente perguntava para que existiam os burros verdadeiros! Mas, era muito afeiçoado a nós e chorava quando ameaçamos mandá-lo novamente para o mato. Todavia esse povo, em geral, não agüenta viver fora do seu ambiente por mais de dois meses.

Fizemos, juntos, a viagem do fim de novembro. Pe. Alexandre, eu e Bonifácio fomos para oeste. Visitamos várias comunidades, algumas já conhecidas, e em todas encontramos muita gente. Fizemos muitos batizados e casamentos. Visitamos, também, duas ou três tabas (acampamentos) de índios Caynhá e Kaingangen, levando-lhes presentes para torná-los mais amigos. Demos-lhes também goiafá (pinga).

Ao continuar a viagem, nos perdemos numa densa floresta, onde não se conseguia distinguir os trilhos porque o mato havia crescido. De vez em quando via-se algum sinal de onça. Ah, se pudéssemos matar uma! Desde a manhã só estávamos com um cafezinho no estômago. Finalmente descobrimos uma casa e Pe. Alexandre, meio morto de fome, disse-me:
- Vamos, diga três glórias a santo Antônio para que nos dêem quatro grãos de feijão! Recitei os três glórias porque tinha mais fome do que ele, mas os feijões vieram somente às 11 da noite.

No décimo segundo dia de viagem, nos encontramos em um trilho no alto de um morro, dentro de floresta virgem e densa. Em certo momento vimos fumaça. Vinha de um lado do morro, onde haviam roçado para a plantação. Apressamos os animais e esperamos chegar em breve. Ilusão! A fumaça continuava aumentando, e mais adiante encontramos somente fogo a poucos metros de distância. Pensamos em retornar, mas onde antes havia só fumaça, agora havia fogo. Só nos restava continuar a viagem acelerando o passo. Mais adiante o fogo ardia dos dois lados e quase nos lambia as pernas. Caminhava-se, corria-se, mas sempre no meio do fogo. Que calor! Que mau cheiro! Parecia que íamos ser sufocados!

Avançamos sempre e, quando a posição do caminho parecia melhorar, piorava de repente. O roçado era extenso e o fogo vingava por todo lado. Que inferno! Nossos pobres animais balançavam a cabeça, esticavam o pescoço, trotavam. E nós bufávamos. Enxugamos o suor, chamuscados pela fumaça.
E continuamos quase sem saída e sem recurso algum por mais de uma hora! Finalmente nos encontramos entre cinzas fumegantes. O fogo passara. O caminho descia até a beira do rio.

Distante do perigo, paramos; após dar de beber aos animais e amarrá-los a uma árvore, descemos até a margem, refrescando-nos na água. Havia escolhos, pedras a flor da água. O rio não era muito fundo e ficamos dentro da água atirando nos grandes peixes que víamos por perto. Depois de uma hora mais ou menos continuamos viagem.

De repente Pe. Alexandre deu um grito e parou por causa de uma fortíssima dor no joelho. Não sabíamos explicar a razão. Talvez o cansaço! Talvez o calor do fogo em contraste com a água fria do riacho! Esperando que fosse um mal passageiro, continuamos a viagem. Pe. Alexandre se lamentava sem parar. Suava frio de dor! Queria apear e parar ali, mas ajudando-o como podíamos e apressando o passo dos animais, vencemos os dois ou três quilômetros que nos separavam do lugar de parada.

Chegamos à casa do senhor Amâncio e Pe. Alexandre se jogou sobre um pelego, não suportando a dor fortíssima. Experimentamos água morna. Experimentamos ungüento. Nenhum alívio! Às 10 horas da noite ainda estava impaciente e suando. Medimos a temperatura que marcou 39 graus e meio de febre! O que fazer? A quem recorrer? Que desepero? Ali não havia médico nem remédio! Na manhã seguinte celebrei a santa Missa e fiz os batizados que apareceram.

Como Pe. Alexandre piorasse, abandonamos tudo e voltamos para Tibagi. Mas, Tibagi estava muito longe. Parávamos nos locais agendados informando que Pe. Alexandre estava doente e partíamos o mais rápido possível. Mesmo assim empregamos cinco dias de viagem. Cinco dias de sofrimentos para Pe. Alexandre, cinco dias de agonia para nós! Chorei às escondidas. Procurei consolar e animar Pe. Alexandre que estava com o joelho inchado de meter medo. Seu rosto estava transtornado! Foram noites eternas! Mal acomodados com pelegos estendidos no chão, tentava-se dormir. Era impossível! Pe. Alexandre gemia de dor e os outros permaneciam acordados procurando acalmá-lo.

Chegamos, finalmente, a Tibagi antes do tempo previsto dando um grande susto em Pe. Ferrúcio! Pe. Alexandre jogou-se na cama. Continuei sozinho até Castro em busca de socorro médico. Às duas da madrugada do dia seguinte bati à porta do Pe. Casimiro Andrejewski, vigário de Castro. Assustou-se com a notícia da doença de Pe. Alexandre e chamou imediatamente o Dr. Scheliga Sheligowski, polonês, que resolveu partir para Tibagi, apenas clareasse o dia.

Eu não agüentava mais de sono e cansaço, mas tinha que me manter em pé. Era o guia! O doutor jamais estivera em Tibagi. Ao entrar em casa, o doutor examinou o paciente, e não sabia se era abscesso, um tumor benigno ou outra peste que fosse. Com uma seringa granda procurou tirar um pouco de pus do joelho inflamado. Inútil!
- Há pus, mas tornou-se muito grosso! Não é possível tirá-lo! É necessário fazer uma micro cirurgia. É preciso cortar e só posso fazê-lo em Castro.

Como me magoaram estas palavras! Procuramos um carroção e colocamos dois colchões em cima. Pe. Alexandre deitou-se e partimos para Castro. A viagem foi longa e penosa. Não se podia ir depressa, só passo a passo. Qualquer pedra ou obstáculo que fizesse o carroção balançar era um grito que saía da boca de Pe. Alexandre. Eu cavalgava uma mula. Recordo-me que a esporeava para que corresse e seguisse dois ou três quilômetros adiante; depois me deitava no capim da beira da estrada para dormir um pouco até que o carroção, passando, me acordasse.

Repeti o mesmo estratagema até Castro. Estava caindo de sono e não conseguia raciocinar! Depois de uma noite e três quarto do dia seguinte chegamos a Castro. Era hora da janta; o médico não quis comer; resolveu operar logo, temendo gangrena. Tentei animar Pe. Alexandre e depois fui para a igreja rezar diante de Nossa Senhora para que tudo corresse bem. Voltei e encontrei o padre na cama um pouco mais aliviado da dor. Daquele joelho saíram litros de pus!

Pe. Alexandre foi tratado otimamente por Pe. Casimlro Andrejewski, o vigário de Castro, em cuja casa ficou durante um mês, visitado regularmente pelo Dr. Scheliga. Eu e Pe. Ferrúcio o visitamos todas as semanas, alternando as idas e vindas a Tibagi para as funções dominicais.Também Ir. Domingos o visitou conosco e lhe prestou bons cuidados. O medico fez o melhor que pôde, mas a doença não parecia melhorar. Abriu-se-lhe uma grande ferida. O osso do joelho foi raspado mais de uma vez e desinfetado com água oxigenada. Depois de algumas semanas constatei que o progresso de melhora era quase nulo. Será que o médico não descobrira a verdadeira doença? Alguma coisa não estava certa! Pe. Alexandre definhava a estava muito desanimado.

Um dia falei com Pe. Casimiro:
- Desculpe-me, Padre, mas não acredito que o tratamento do Dr. Schelliga esteja certo; não se vê melhora alguma. Não quero que o senhor, e muito menos o médico (era muito amigo de Pe. Casimiro, ambos polacos) me levem a mal, mas gostaria de levar Pe. Alexandre a Ponta Grossa, ao Hospital do Dr. Burzio (um bom médico italiano de Turim). O que senhor acha?
- Faça como quiser. Poderia fazer antes uma consulta. Porém faça como lhe aprouver. Dr. Scheliga não levará a mal. Conversarei com ele.

Depois de dois ou três dias tomamos o trem e Pe. Alexandre foi levado a Ponta Grossa. O Dr. Burzio examinou, perguntou e comentou com desaprovação o tratamento feito. (Todos os médicos fazem assim!) Começou, no entanto, um novo tratamento. Abriu a ferida, cortou, raspou. Pode-se a tortura de Pe. Alexandre.

Após uma semana chegou um recado a Tibagi, informando que Pe. Alexandre passara por uma operação difícil. Corri imediatamente a Ponta Grossa e encontrei Pe. Alexandre quase inconsciente! Estava ainda sob o efeito das injeções que o médico lhe havia aplicado na espinha, antes da operação. Fiquei três dias em Ponta Grossa, junto com Pe. Alexandre, em cujo quarto dormi. Ele foi melhorando bem e rapidamente. Voltei a Tibagi, pois tinha outra viagem de Missão.

Ir. Domingos escreveu ao padre Mestre de Noviços na Itália:
"Pe. Alexandre, lutando há dois meses com uma terrível doença no joelho direito, implora de seus caros noviços a caridade de uma novena pelo dom da saúde. Está de cama há dois meses e sem ajuda de outros não pode se mexer. O primeiro médico (Dr. Scheliga) prometeu-lhe a cura em vinte dias; mas, passaram-se as semanas e o tempo de melhora parece perder-se no além. O médico quis levá-lo a Castro para dar-lhe melhor assistência. Em Tibagi o carregamos com cama e tudo como se fosse aleijado. Sofria terrivelmente! Chegou a Castro mais morto que vivo depois de 20 horas de martírio, sobre uma carroça, no dia 8 de janeiro. Atualmente a febre já cedeu e o apetite está voltando. Todos os dias o médico vem fazer curativos; a ferida é grande como a palma da mão; toma o joelho inteiro e cria um buraco coberto de pele com dois furos que o médico fez para drenar o pus através de um canudo de borracha. No início, o padre pensava que a doença fosse de origem reumática, mas o médico disse que ainda não sabe a causa. Desde já agradeço o interesse pelo nosso querido padre. Saudações e agradecimentos aos que se interessarem. Seja louvado, Jesus Cristo" .