6. DAS CANÁRIAS AO RIO


Depois de tanta alegria nos dias anteriores aconteceu um fato que a todos entristeceu, especialmente a mim que tomei parte ativa na cena dolorosa. Uma criança de poucos anos - satisfação e alegria da mãe - morreu de difteria. Ninguém, exceto ela, sabia da morte.

À tarde o capitão me chamou e contou o ocorrido. Pediu-me para estar pronto à meia-noite a fim de benzer o pequeno cadáver antes dos funerais. Fui pontualíssimo.

Na presença da desolada mãe, abriu-se uma pequena janela do lado esquerdo do navio. Foi trazido o pequeno corpo dentro de um saco. Depois que eu o benzi e recitei todas as orações prescritas pelo ritual, o saco foi atirado ao mar, tendo-se antes parado a hélice do lado esquerdo. Um grito, que jamais ouvi igual, saiu da boca da mãe desolada.

Procurei acalmá-la e consolá-la, conseguindo-o só parcialmente. Em seguida, ela foi levada para uma cabina onde outras pessoas ficaram com a pobrezinha. É difícil descrever a impressão que se sente diante de tal acontecimento! E pensando-se bem, talvez o mar seja o melhor dos túmulos! Este é o costume da vida do mar. Se algum rico quisesse que o corpo fosse conservado até chegar ao porto, no navio existiam caixões para tal fim. Todavia custava muito e não era fácil obter a licença do capitão e do primeiro comissário. Ordinariamente o mar é a sepultura dos que morrem em viagem.

Vista da Ilha Fernando de NoronhaVimos à distância a Ilha Fernando de Noronha, que fica cerca de trezentas milhas da costa brasileira; uma pequena ilha, pertencente ao Brasil, que a utiliza como penitenciária para os criminosos perigosos.

Poucas horas depois, vimos, longe, bem longe, a sombra negra da terra firme. Era o Brasil! Que emoção! Mais uns dias ainda e chegaríamos. De repente passaram-me pela mente pensamentos sobre missões, viagens, conversões. Como seria o Brasil? E seu povo e seus costumes?

O mar estava calmo. De hora em hora um rápido aguaceiro nos refrescava um pouco; era, então, o dia 30 de novembro e na zona equatorial o calor era muito forte; continuou até o mês de março e parte de abril. Já há vários dias tínhamos mudado o tipo de roupa. Ao sair da Itália, tínhamos que nos agasalhar bem, mas agora estávamos em pleno verão.

Podiam-se distinguir claramente as margens da terra firme brasileira. Começávamos a ver densas florestas com árvores altas e grossas, grandes plantações de bananas, plantações de laranjas com frutos viçosos. Embarcações de todos os tamanhos se movimentavam na costa; víamos as fisionomias das pessoas. Muitos negros nas suas pequenas canoas vieram ao nosso encontro. O vapor Atlanta parou e esperou o piloto que viria levar-nos ao porto do Rio de Janeiro. Enfim, chegamos.

A cidade do Rio de Janeiro é um dos portos mais belos do mundo. A entrada da baía é flanqueada por duas altas montanhas em forma de colunas que parecem os batentes de uma porta. É o pico denominado Pão de Açúcar, assim chamado porque tem forma cônica, como eram fabricados e vendidos os cones de açúcar na Itália. O outro é o Corcovado. Soube mais tarde que sobre ele foi colocada a imagem do Cristo Redentor, com trinta metros de altura, circundada por numerosas lâmpadas elétricas, que à noite poderiam ser vistas há vários quilômetros de distância. A baía é imensa; o seu cais é muito largo, e servia para o passeio aristocrático dos senhores do Rio de Janeiro.

A cidade, com cerca de um milhão de habitantes, tem uma parte plana e outra encravada nos morros, ora unidas, ora separadas. Semeadas de palacetes e iluminadas, à noite, por grandes globos elétricos, dão uma visão maravilhosa, que leva a sonhar. Há palacetes belos e limpos, especialmente na Avenida Rio Branco, que fica na parte mais bonita e aristocrática do Rio de Janeiro, capital da Federação dos Estados Brasileiros.

Há uma lindíssima catedral; é sede cardinalícia. O presidente e todo o governo moram em Petrópolis, cidade que dista poucos quilômetros do Rio. Freqüentemente se encontram belas carruagens puxadas por dois ou quatro cavalos, levando a passeio famílias de negros, que no Rio de Janeiro são numerosos e ricos; muitos, os automóveis. Em geral, a vida dos brasileiros é alegre e divertida, os quais passeiam pelas calçadas, compõem músicas e as cantam alegremente.

Fomos imediatamente enviados para a Ilha das Flores, que é a ilha dos imigrantes. Conosco, todas as famílias italianas que de Trieste vieram junto. Estas procuraram logo acomodar-se nas espaçosas salas e salões, onde pernoitariam e aguardariam o trâmite da documentação necessária antes de prosseguir para suas destinações. Nós cuidamos das nossas malas, e depois, junto com Pe. Sanson e seus três sobrinhos, livramo-nos em pouco tempo do pessoal da imigração e fomos para a cidade, hospedando-nos no Hotel Itália.

Pouco ou nada compreendíamos da língua portuguesa. Portanto dependíamos totalmente de Pe. Sanson. Chegou a hora do jantar. Num salão comprido, com muitos brasileiros, sentados numa grande mesa, nos foram servidos grandes pratos de arroz branco fumegante, feijão e grandes pedaços de carne. Olhamos ao redor e depois de termos esmagado o feijão e misturado o arroz com a carne e outras verduras, terminamos nossa janta, regando tudo com água fresca. Já estávamos instalados, e depois de alguma prosa, fomos para a cama, que parecia girar de um lado para outro como no navio, sensação que ficou após vinte e dois dias de viagem, de Trieste ao Rio de Janeiro.

Era precisamente o dia 2 de dezembro de 1910. Despedimo-nos com “boa noite” e “até amanhã”.