30. EM SERRA DA PRATA


De Erval se chegava a Serra da Prata com subidas e descidas. Era preciso apear do cavalo e acompanhá-lo segurando as rédeas. José de Araújo, chefe da comunidade, nos esperava e nos recebeu. Deu o aviso em tempo e preparou tudo. Não havia capela. Todo o serviço religioso era feito na casa de José. Ele tinha uma casa bastante grande com sala espaçosa e suficiente para reunir os habitantes do lugar, que eram poucos.

Serra da Prata era a última estação de nossa Missão ao sul. Limitava-se com a Missão de Guarapuava pertencente aos padres do Verbo Divino. À tarde rezei o terço com algumas dezenas de pessoas, fiz o costumeiro sermão; depois um canto em português com música que conhecia bem. Houve algumas confissões. Instrui da melhor maneira que me era possível dois noivos, que se casariam no dia seguinte. Depois da janta, experimentei melaço misturado com milho branco cozido.

José de Araújo me disse que alguns homens, entre os quais dois de Guarapuava, queriam ver e reverenciar o padre. Apresentei-me e fizeram um mundo de cumprimentos. Também me faziam perguntas. Pude concluir que os católicos de Guarapuava eram bem mais instruídos que os nossos tibagianos. Passara cálice com licor. Todos bebiam um gole. Eu os acompanhei. Notei que entre os componentes do grupo havia um leproso, que bebeu do cálice e passou-o. Fiquei receoso. Ele era amigo da família. Tomava parte em todas as reuniões e festas. Tinha os lábios e as orelhas espantosamente inchadas! Faltavam-lhe os dedos da mão, que mantinha enfaixada com um lenço sujo; faltavam-lhe também os dedos dos pés. Tinha os olhos inchados e muito abertos!

José me disse que se encontrava assim há vários anos, e lhe parecia que a doença não havia progredido; não acreditava que fosse perigosa como a infecção. Eu não era do seu parecer. Mais à frente tratarei de doenças, tendo sido capelão de leprosário por mais de dois anos.

No dia seguinte, o serviço religioso foi muito devoto. Após a partida dos noivos, contentes, e galopando ao som festivo dos revólveres e dos rojões, José quis mostrar-me seu engenho para fabricação de açúcar e pinga. Achei-o muito bonito e moderno. Ele tinha uma grande plantação de cana de açúcar e sabia graduar muito bem a pinga. Nas viagens pela floresta, quase que a cada quilômetro se encontrava um desses engenhos. Todos sabiam fazer açúcar e pinga. Principalmente esta! Alguns eram modernos, mas a maioria, antiquados. Dois cilindros de madeira encostados um no outro, presos por dois colchetes também de madeira, eram suficientes para moer a cana. Desta saía uma abundante garapa, que era recolhida em recipientes apropriados. Quando se queria fazer açúcar a garapa era colocada logo num grande caldeirão de um metro ou mais de diâmetro, e com a boca alta mais de um decímetro com fogo embaixo. Quando o líquido começava a esquentar, era batido com uma colher de pau até o momento da fervura. Em seguida, deixava-se cair água fria do alto. Era sinal de que chegara ao ponto justo quando o líquido se solidificava. Tiravam o fogo debaixo do caldeirão, e continuam a bater o líquido com colher de pau.
Depois de alguns minutos via-se que o líquido se tornava sólido e seco. O açúcar estava pronto! Tinha cor amarelada e não era refinado; diziam que assim tinha mais glucose e adoçava mais.

Quando queriam fabricar pinga, deixavam o líquido da cana por alguns dias nas vasilhas até que azedasse um pouco, o colocavam no alambique e o evaporavam com o fogo. Dos canos do alambique, que permaneciam imersos na água fria, saía a pinga. Notei que alguns tinham um termômetro para medir o grau de álcool, mas a maioria regulava o teor alcoólico provando com a boca. Tinham uma tal prática que dificilmente erravam ao apontar o grau atingido. O melaço que José me deu era o líquido da cana chegado ao ponto de se converter em açúcar. Era usado, misturando-o com o milho branco que limpavam e cozinhavam. Não era desagradável ao paladar, mas muito doce e enjoativo.

José fez-me rir com seus dois cachorrinhos Fox-Terrier. Sabiam subir e descer escada; pulavam um sobre o outro ao som do violão, dançavam de pé sobre as pernas traseiras, um puxava um carrinho enquanto o outro estava em cima como um senhor, e outras habilidades mais; terminavam a apresentação pedindo esmola, que recebiam num chapéu seguro pelos dentes.