31. EM RESERVA, CAMPINAS ALTAS E ENGENHO


De Serra da Prata fomos a Reserva. Chegamos três dias depois que tinha sido morto, com um tiro de carabina, o filho do Borba, prefeito da Comarca. Reserva era seu pequeno reino. O dia da eleição para Prefeito da Comarca estava próximo. Tudo indicava que o Borba sobrinho queria vencê-la e derrubar o velho tio. Embora o sobrinho tivesse muitos adeptos para apoiá-lo, o tio sempre fora mais poderoso e tinha consigo uma leva de correligionários de sua laia e preparados para tudo. Cochichava-se que ele não estaria alheio ao assassinato!

Reserva tinha o aspecto de uma cidadezinha. Os habitantes estavam dispersos. Ela possuía uma agência subsidiária da prefeitura de Tibagi. Era residência de um sargento da polícia com três ou quatro guardas. Tinha uma agência postal e uma cadeia para condenados a penas breves. Em Reserva havia uma igrejinha bonita e com o necessário para o serviço religioso.


Ali se ia uma vez por ano para a solene festa de Nossa Senhora das Dores em setembro, além das outras duas vezes no rodízio de Missão. Iam dois padres, preparava-se missa solene, cantada, e se fazia a procissão. Na ocasião ouviam-se rojões, tiros e músicas. Os ambulantes acorriam com seus tabuleiros cheios de brinquedos e doces. À noite viam-se arcos e luminárias. O povo queria um sacerdote estável, mas no momento era impossível.

Fiquei ocupado com a administração do batismo a 25 crianças e com a bênção de 9 matrimônios. Jamais me esquecerei de Euzebinho, um outro filho do Borba, irmão do falecido. Ele veio como padrinho e tinha o rosto quase todo devorado por terrível lupus. Dos olhos para baixo estava coberto com um lenço: horrível e assustador para a vista!

Permaneci três dias em Reserva e segui para Campinas Altas. Já estávamos fora do sertão e os olhos estranhavam a luz forte do sol. Na floresta viajava-se sempre na penumbra, na semi-escuridão. O sol penetrava somente com pequenos e raros raios, que permitiam o esvoaçar calmo e preguiçoso de borboletas que reluziam, de quando em quando, cores purpurinas.

Ao sair da penumbra e entrando na amplidão dos campos sem árvores e com o sol brilhante, os olhos se deslumbravam. Tinha-se a impressão de estar cego. Isso, porém, não me impedia de ver e admirar as belíssimas perdizes, que a todo instante se levantavam à minha frente, voando e pousando nos campos, não muito distante. Tive oportunidade de abater algumas com minha espingarda. Serviriam para o almoço, dentro de alguns dias em Tibagi, bastante próximo.

Em Campinas Altas, o costumeiro serviço religioso. Não houve casamentos. Parei um dia para instrução catequética e para ensinar orações a poucos meninos e meninas. Na manhã seguinte, depois da santa Missa parti para Engenho. Sobre a cumeeira das últimas casas de Campinas Altas ouvi um papagaio de peito vermelho que me gritava: “Corra, corra, pega, pega.” Depois, uma gargalhada que não terminava mais associada ao assobiar e repetição do "corra, corra, cachorro." Parei, escutando e rindo. Comprei um e o levei para Tibagi a fim de fazer companhia à mulata. Quem sabe ela o agradaria!

Engenho era um lugar sem importância. O padre parava só um dia para dar oportunidade, se houvesse, a algum batizado ou casamento. Era tão próximo de Tibagi que quase sempre os serviços de Engenho se faziam na igreja paroquial. Não houve batizados, nem casamentos.


Pensei em prosseguir para Tibagi. Todavia, logo depois do feijão do meio dia, tia Bárbara apresentou-se a mim. Veio acompanhada de uma de suas trinetas e queria falar comigo. Tia Bárbara tinha 110 anos; entre filhos, netos, bisnetos e trinetos contava com uma descendência de 180 pessoas. Era bem conservada de mente e relativamente de corpo. Pediu que eu ficasse, pois queria assistir a Missa. Não podia ir a Tibagi, pois não possuía meios. Além disso, disse-me:
- Estou um pouco velha! Lindo o "um pouco”.


Naturalmente, fiquei feliz em poder satisfazer seu desejo. Na manhã seguinte celebrei a santa Missa, durante a qual Tia Bárbara e algumas outras pessoas comungaram. Pouco antes do meio dia cheguei a Tibagi.

Pude junto com Pe. Alexandre e Ir. Domingos tomar parte do almoço gostoso e abundante que a fiel Florinda preparou, sabendo da minha volta. Eu tinha muitas notícias agradáveis e desagradáveis para transmitir a Pe. Alexandre e Ir. Domingos. Ficaram horrorizados e pensativos com as condições do povo do sertão. Precisávamos trabalhar muito para melhorá-las um pouco.

Cheguei na ante-véspera do Natal com todos os ossos moídos. O sacristão me surpreendeu por sua aparência bronzeada e sadia. Encontrei em casa Ir. Domingos que, como Pe. Alexandre, gozava de excelente saúde.

A viagem durou 29 dias. Foram 215 batizados e 39 casamentos. Foi outra prestação da casa a Pe. Martini. A dívida estava diminuindo.

No dia 7 de dezembro de 1912 chegou Pe. Ferrucio Zanetti. Notícia maravilhosa. Novo e valioso auxílio que se juntava a nossos esforços no trabalho da Missão. Graças a Deus e ao Padre Superior.

Pe. Alexandre foi buscá-lo em Castro.


Pe. Ferruccio estava encantado com o Brasil, com as florestas, as plantações de café, as flores e frutos. Tinha muitas notícias a nos dar. Ele parecia sonhar.