13. PARANÁ


Quase no fim daquele borrascoso período para o orfanato chegou a São Paulo o Superior Geral dos Escalabrinianos, Pe. Domingos Vicentini, um ex-estigmatino.

Ainda na Itália, nos havia dito:
- Logo irei ao Brasil visitar nossas casas; até então, se vocês ainda não tiverem conseguido fundar sua Missão, eu os ajudarei. Esperávamos ansiosamente que ele cumprisse sua promessa.

Ele já tinha viajado muito para visitar seus padres e cuidar dos interesses da sua Congregação. Um dia, encontrando-se livre e em descanso, chamou Pe. Alexandre e lhe disse:
- Vocês podem ir a Florianópolis no Estado de Santa Catarina, no Sul do Brasil. Lá poderão cuidar de uma igreja, e talvez, um pouco mais tarde, de uma paróquia. É uma ilha muito bem situada com um clima maravilhoso.

Pe. Alexandre nos reuniu em conselho. Discutimos e julgamos que uma futura paróquia ocuparia poucos padres, talvez sem a possibilidade de uma futura expansão. Resolvemos agradecer e não aceitar.

Alguns dias depois, Pe. Vicentini nos disse:
- Poderão ir a Tibagi, no sul do Paraná. Lá estão meus padres, mas eu devo retirá-los e deixar o local. Lá não existem italianos, e nós somos missionários para os italianos imigrados. Em Tibagi terão uma paróquia tipo Missão; é sede de comarca; são numerosos os habitantes, embora dispersos pelo sertão; existem índios pertencentes a três ou quatro tribos diferentes. Pensem e me dêem uma resposta.

Ainda uma vez nos reunimos em conselho. Aceitamos imediatamente e com indescritível entusiasmo! Espalhamos a notícia a todos os padres que se congratularam conosco. Perdemos até o apetite para a janta, tanta era a satisfação e a emoção. Estávamos ansiosos para que passasse a noite e chegasse logo o dia seguinte, no qual Pe. Vicentini e Pe. Alexandre partiriam para Curitiba, capital do Estado do Paraná, para tratar e combinar tudo com o bispo D. João Braga.

Ao amanhecer os dois partiram, e nós na igreja, a pedir ao bom Deus, à Nossa Senhora, ao nosso Venerável, ao Venerável Anchieta e a todos os santos do paraíso para que tudo saísse bem e aquela Missão nos fosse confiada pelo Bispo.

Passaram-se dois ou três dias, dias em que Ir. Domingos e eu não fazíamos outra coisa senão falar, pensar, sonhar com Tibagi e rezar. Oh! Se fosse verdade! Tudo o que sofremos antes teria sido nada! Oh! Que os céus permitissem! Em nosso coração prometíamos a Deus que seríamos bons e dedicados missionários, que sofreríamos tudo, suportando todas as fadigas pelo bem do povo e dos índios! Que o Senhor nos abençoasse! Abençoasse nossa Congregação. Que olhasse todos os sofrimentos passados na espera ansiosa de longos meses! Olhasse nossas lágrimas, o desejo de todos os estigmatinos e especialmente do Pe. Superior Pio Gurisatti.

Assim rezávamos e esperávamos, não nos preocupando nem em comer, nem em dormir. Finalmente, depois de dois ou três dias, não me recordo exatamente, chegou um telegrama de Curitiba! Peguei-o com as mãos trêmulas; o coração saltava em meu peito. Abri a folha na presença de Ir. Domingos, e li: "Tibagi é nosso!”; assinado Pe. Alexandre.

Um grito de contentamento retumbou em nosso quarto! Não vimos mais nada. Corremos para a igreja a fim de agradecer ao bom Deus e a todo o paraíso pela graça recebida.

Finalmente já não mais se vivia na dúvida. Tínhamos nossa destinação! Bastava esperar uma outra carta de Pe. Alexandre determinando o dia da partida. Enquanto isso, preparamos as malas, os pacotes, e começamos a despedir-nos dos amigos e conhecidos, que não eram poucos.

A carta de Pe. Alexandre não demorou. Recordo-me que era uma segunda-feira, e entre outras coisas dizia: “Partam com todas as coisas para Castro, e nos encontraremos lá, quinta-feira próxima, na casa do Vigário Pe. Casemiro Andrelewski”.

Quem nos visse diria que tínhamos asas nas pernas! Um pequeno caminhão levou nossas caixas, pacotes e o precioso harmônio à Estação da Sorocabana. Com o trem de terça-feira à tarde partimos para Castro, cidadezinha que se localizava no Estado do Paraná, justamente na linha Sorocabana, quase na metade do caminho entre São Paulo e Curitiba.

Foi uma viagem de uma noite e um dia. Não pensamos em comida. Passamos aquelas longas horas com frutas, especialmente abacaxi, que encontrávamos em algumas estações. A viagem de São Paulo a Castro era feita quase toda no meio de florestas e imensas plantações de café. Havia alguma elevação ou colina, mas nada de relevante. O trem não era grande coisa, sem luxo; tinha primeira e segunda classes; era movido à lenha, pois o carvão era raro no Brasil. Nos vagões não havia muita comodidade; nem carro restaurante, embora a estrada de ferro sorocabana fosse uma das mais extensas do país. O pessoal do trem era muito atencioso e gentil. O trem parava não só nas estações, mas também onde encontrava um regato de água corrente ou uma barraca onde se vendiam abacaxi, banana, ananás, jabuticaba, mamão, goiaba, manga e outras frutas, todas gostosas e doces, próprias para matar a sede num país tão quente.

Na quinta-feira antes do meio dia, chegamos a Castro e imediatamente fomos procurar o vigário, Pe. Casemiro. Ele, bom e expansivo, nos acolheu como irmãos! Polaco de nascimento encontrava-se em Castro havia vários anos. Era benquisto e estimado, especialmente por seus conterrâneos que formavam uma grande colônia. Tinha sido avisado por Pe. Alexandre da nossa chegada e preparara um bom almoço. Arrumara nossos quartos para a noite; deveríamos passá-la em sua casa e partiríamos para Tibagi só no dia seguinte.

Às treze horas Pe. Alexandre chegou de Curitiba. Nós o estávamos esperando na estação. Vinha radiante! Não mostrava mais a fisionomia de cansado e deprimido! Havia combinado tudo com o bispo. Só faltava chegar e tomar posse. Pe. Casimiro com seu modo alegre e com piadas levava ao auge nossa alegria.

Depois de um almoço suculento e abundante no qual tomou parte também Pe. Germano Berut, um padre francês que era capelão das Irmãs de São José e auxiliar do Pe. Casimiro, fomos dar um passeio para ver e conhecer a cidade de Castro. Aproveitamos para combinar nossa viagem do dia seguinte para Tibagi.

Combinamos tudo e após a janta ficamos discorrendo sobre a cidade,o rio Tibagi, índios, caboclos, diamantes, até meia noite. Estávamos cansados; muito cansados, mas não nos importávamos; em Tibagi repousaríamos; enquanto isso batíamos papo. Nem aproveitamos para dormir as poucas horas da noite que restavam.

No horário combinado estávamos prontos para celebrar a santa Missa. Depois de um café rápido e apressado começamos a carregar nossas coisas num carroção que nos esperava na porta da casa paroquial.

Agora não era o caso de observar se o trem era de primeira ou segunda classe; para Tibagi não havia trem e nem estradas boas. Nosso meio de transporte foi um carroção de quatro rodas, coberto com um toldo, igual a muitos que vi na Itália, usados pelos ciganos.

Além da nossa bagagem, ainda havia feno para os cavalos que eram cinco, encerados para qualquer eventualidade, baldes para água, pás, picaretas, duas espingardas para um casual encontro com onças, uma bolsa com pães e duas garrafas de cerveja. Sobre toda esta carga, nossas respeitáveis pessoas.

Pe. Casimiro nos emprestou dinheiro para pagar o carreto. Estávamos literalmente sem dinheiro; era pouco ao partirmos da Itália; à chegada no Brasil diminuiu por causa do câmbio. Acabou de vez depois de todas as viagens de Pe. Alexandre e minhas com Ir. Domingos. Bem... não é a pura verdade. Ainda tínhamos duas liras e cinqüenta centavos com as quais chegamos a Tibagi. A viagem nos custaria 60.000 réis (cerca de 180 liras); tratava-se de noventa quilômetros, dois dias de viagem. Pe. Casimiro, veio em nosso auxílio. O bom Deus o terá premiado no céu, agora que já faleceu.