38. CAÇADAS MEMORÁVEIS


Convidado por alguns amigos e com licença de Pe. Alexandre fui para uma caçada de três dias na Fazenda Monte Alegre. Saí com Heinrich Pffeiffer e Júlio Silveira. Na fazenda nos encontramos com Idelfonso Bueno. Terminados todos os preparativos montei nosso cavalo e levei pelo freio uma mula com dois grandes cestos de vime. Pe. Alexandre assistiu nossa partida, e rindo mostrou-me o indicador da mão direita dizendo-me:

- Meu caro, olha o espeto para a caça que você vai trazer!

Rimos e parti. Pela estrada mais curta eram sete léguas e a fizemos numa jornada. Boa a janta na casa do senhor Ildefonso. A seguir, preparativos de cachorros, espingardas e cartuchos, de bom queijo e pão.

No dia seguinte, estávamos nos campos em busca de perdizes. Eram como galinhas domésticas! Um quilo cada uma! E muitas! Os cachorros trabalharam esplendidamente. À tarde voltamos para a casa da Fazenda com setenta e cinco exemplares! Para o primeiro não era nada mal!

No segundo dia saímos para a caça ao veado. Emparelhamos os cães veadeiros e, dois a dois, foram levados para uma colina no meio da mata. Nós ficamos atentamente de tocaia na margem de um regato, na linha do trilho onde deviam aparecer os veados. Os cães já tinham dado o aviso com uivos cadenciados e contínuos. Certamente estavam nas pegadas da caça. De repente os latidos tornaram-se mais fortes e freqüentes, sinal de que tinham encontrado veados. Seria um? Dois? Eis que desceu para a água um animalão. Dois cães o perseguiam. Ele nadou e veio descendo o rio em nossa direção. Partiram dois tiros de nossas espingardas: um palmo abaixo da água. Tiros certeiros! Os cães o trouxeram à margem. De repente, outro veado. Pfeiffer o esfriou com um tiro na cabeça. Colocamos os dois nas garupas dos cavalos e nos preparamos para a volta.

No meio dos campos, onde o capim era muito alto e meio seco, levantou-se e fugiu uma corça com um filhote. Este não conseguia acompanhar a mãe e o pegamos vivo. Também para o segundo dia estava bom.

No terceiro dia foi caça grossa! Onça, anta, cateto. Preparamos as espingardas e os cartuchos com balas. Idelfonso tinha dois cachorros onceiros, mas também perseguiam catetos. Tomou emprestado do capataz da Fazenda mais dois especialistas para anta e que também perseguiam catetos, mas tinham medo de onça e de leão. Pelas oito nos encontramos nas margens de uma densa mata. Soltamos os cachorros e ficamos à espreita. Os corações batiam forte, ao menos o meu! Ouvimos um cachorro latindo muito fracamente. Idelfonso falou:
- Este é o Fulvo (nome do cachorro), e está nos rastros de uma onça! Ele não persegue outro animal!

Passaram-se alguns minutos. Seguiram-se latidos e ganidos altíssimos.
- Vamos, disse Idelfonso, é tigre certamente.
Descemos para a floresta, cortando o mato que estorvava nosso caminho. Os latidos tornaram-se estridentes. Descemos com muita atenção e com as espingardas engatilhadas. Vimos a uns cem metros os cachorros que latiam desesperadamente, olhando para o alto.
- Está em cima da árvore, exclama Idelfonso. Ainda bem. É mais fácil acertá-la!

Aproximamo-nos atentos e preparados. Em cima da árvore estava um jaguar, deitado onde o tronco se dividia em três galhos. Examinava os cachorros e nos examinou, balançando a longa cauda para a direita e para a esquerda.
- Não precisamos ter medo, disse Idelfonso. Ele está bem acomodado e na certa não descerá.

Amarramos os cachorros a alguns metros de distância e roçamos o mato alto perto do tronco (1).
-Agora sim estamos prontos, disse Idelfonso. O senhor, padre, venha aqui e veja se descobre debaixo dos membros anteriores as manchas negras maiores e depois aponte em uma delas: o tiro irá direto ao coração! Nós daremos o golpe de misericórdia apenas ele chegue ao chão.

Afastei-me um pouco e observei. A fera estava me analisando de cima em baixo, fazendo caretas com sua bocarra. Suspendi a respiração e atirei! Um ronco saiu da garganta do bicho e com um baque surdo caiu no chão. Imediatamente partiram dois ou três tiros das espingardas dos companheiros e o jaguar estava morto. Dois filhotes que passavam despercebidos caíram com a mãe e procuravam fugir. Um passou perto de um cachorro que o matou; o outro, peguei vivo cobrindo-o com o paletó.

Contemplamos o belo animal de pele toda malhada! Idelfonso mediu: oito palmos e meio de comprimento. Bela fêmea! Em pouco tempo, Idelfonso tirou a pele. Deu um pedaço de carne aos cachorros e guardou para nós pedaços gordos. Voltamos para onde estavam os animais. Levei o filhote. Era completamente branco. Teria um mês de vida e bufava. Coloquei-o na mochila e fechei-a diligentemente.

Na volta à fazenda, os cães entocaram um cateto num tronco caído por terra. Pfeiffer e Júlio colocaram-se nas duas extremidades, e quando ele apareceu batendo os dois dentes enormes o esfriaram com um tiro no meio da testa. Pesava quarenta e cinco quilos!
Também o terceiro dia foi bom!

Minha mula, carregada com toda a caça, suava cansada, mas chegou sã e salva a Tibagi. Amontoamos tudo no meio do refeitório e fui chamar Pe. Alexandre, que estava na igreja. Ele chegou pronto para aporrinhar, mas quando viu a os animais mortos deu um grito:
- Vocês estão loucos! Não é possível? Como foi?
Eu me contentei em pedir-lhe o espeto prometido.
Dividimos a caça, suficiente para nós e nossos amigos para mais de uma semana.

Para mim a caçada foi uma grande aventura e um imenso prazer. O missionário tem necessidade de alguns momentos de distração, pois sua vida é uma contínua tensão. São muitas as ocasiões que o deixam irritado. Ai se perder as estribeiras!

As tensões lhe advêm das viagens e não raramente de homens maus, que querem viver sem se incomodar com a lei de Deus, da Igreja e da vida cristã. Estes, muitas vezes, ameaçam o missionário com facão ou revólver, porque há a recusa para quem não é digno. O missionário, embora deva ter um coração de ouro - grande como o mundo que ele quer evangelizar, - não pode, porém, desprezar as leis supremas de Deus, da Igreja e jogar pérolas aos cães! Por isso, em muitas ocasiões se encontra em dificuldades e situações difíceis. Seu escopo é sempre o alto, a glória de Deus. Em Deus põe sua esperança e está certo de conseguir as graças necessárias.

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(1) Quando a onça está bem acomodada sobre uma árvore, não desce. É diferente quando está inquieta, movimentando-se. Neste caso desce bem depressa. Quando está bem acomodada, há tempo de se limpar ao redor da árvore para que os tiros e as manobras do facão sejam bem sucedidos. Os cães devem ser amarrados, porque, quando a onça cai, com certeza ainda não está morta. Os cachorros correm para mordê-la e podem ser destripados por suas patadas. A onça é muito perigosa quando está entocada na terra. Os cachorros latem sempre prontos para correr. O caçador deve ficar muito atento e alerta, porque o bicho se levanta sobre as patas traseiras e estende as dianteiras tentando abocanhar o caçador. Um tiro certeiro na boca ou na paleta é mortal. Não o é se acerta o meio da testa. Por causa do osso convexo a bala ricocheteia. Então a situação torna-se crítica; é preciso matá-la a golpes de facão, dados como quem corta e não como quem enfia, pois neste caso, com as patas, faz voar longe a arma com que se quer perfurá-la.