18. A PRIMEIRA VIAGEM


Bonifácio era um bom homem de quarenta anos. Trabalhava de folheiro, mas estava sempre disposto a acompanhar os padres nas viagens de Missão, desde o tempo dos padres escalabrinianos. Era solteiro, tinha a mãe, uma irmã e dois irmãos. Estes últimos o ajudavam no trabalho e todos cooperavam para o sustento da velha mãe, que adoravam.

Bonifácio era o sacristão da Missão; Ir. Domingos, de Tibagi, e ficava em casa para fazer companhia ao padre.

Bonifácio chegou bem cedo. Organizou o que era necessário para a viagem. Colocou tudo numa sacola de couro; arrumou um pouco de comida e começou a selar os animais. Quando Pe. Alexandre voltou da igreja, após a missa, encontrou tudo preparado. Um gole de café, um abraço, a santa bênção e ei-lo na sela. Eu olhava com uma inveja sem tamanho. Acompanhei-o até a balsa e ainda por mais dois quilômetros. Ele do lado direito e eu do esquerdo do rio. Saudava e abanava o lenço até que o perdi de vista.

Voltei para casa! Como me pareceu vazia! E devia ficar sozinho por mais de um mês, sem nada saber do padre que estava em Missão! É verdade que tinha Ir. Domingos, mas ele estava sempre ocupado e geralmente fora de casa. Eu estudava um pouco de português, lia algum livro, saía para um breve passeio, ouvia quem me visitava. De vez em quando, acompanhado por alguns rapazes, ia caçar. Instruía os coroinhas para as sagradas funções e passava muito tempo trabalhando na horta.

Florinda, a negra que cozinhava há mais de dez anos a serviço dos padres, queria conhecer comidas italianas. Eu a ensinava e ela comprovava que tinha habilidade culinária. Tinha sido escrava em tempos passados, mas se conservou sempre fervorosa cristã e educou suas cinco filhas na religião. Amava a limpeza, sabia preparar e assar pão. Era muito querida pela gente tibagense.

Passava-se o tempo, e os dias me pareciam meses.

Os amigos continuavam vindo, à tarde, para fazer companhia e bater um papo; assim, eu podia progredir no conhecimento da língua portuguesa, que embora fácil em si, apresentava dificuldades na pronúncia de certos ditongos e nasais. Ocupava-me com trabalhos manuais. Com minha serrinha fazia molduras para fotografias, imagens sagradas e alguns objetos: uma igrejinha e uma gaiola foram muito admiradas. Presenteava os meninos mais esforçados que ficavam muito satisfeitos com os mimos. Passava, também, o tempo conversando com a “mulata”, um papagaio de peito vermelho, que sabia falar de tudo: pedia café, chamava Florinda de “negra feia” - ela se ofendia com isso -, sabia uma boa parte da Ave-Maria, ria e chorava como fazem as crianças, imitava os pastores que conduziam porcos. Na hora do almoço, bastava chamá-lo, e devagarzinho vinha do fundo da horta, subia pelas cadeiras e se colocava no meio da mesa, esperando comida. Um agradável passatempo.

Até que enfim Pe. Alexandre voltou. Mostrava demasiado cansaço. Todavia, contente com as comunidades. Fizera 250 batizados e 48 casamentos, benzera um cemitério e dera autorização para construir uma capela.

Voltou, então, a alegria dos primeiros dias. A música soou pela casa e as novidades ergueram meu ânimo.

Oh! Feliz o missionário que sabe aproveitar-se de tudo! Na missão a pior coisa é a solidão. Não se pode estar sempre pregando e batizando! Mas o missionário deve aproveitar-se de tudo e ter um passatempo para as horas de solidão. É preciso superar a angústia quando a mente se volta para as pessoas queridas e para as comodidades que deixou no país natal. O demônio é esperto e se aproveita para afligir o missionário, metendo-lhe na cabeça a idéia de voltar para a pátria!

Tudo o que Pe. Alexandre viu e fez transmitiu-me como uma verdadeira lição. Eu não perdia uma palavra de sua experiência. Entesourava seus ensinamentos, pois a próxima viagem seria a minha. Estava marcada para o dia da festa da Assunção de Nossa Senhora.