40. EXPERIÊNCIAS EXTRA-PASTORAIS


Em uma viagem a Jataí aconteceu algo extraordinário. Eu cavalgava tranqüilamente, contemplando a beleza gigantesca da floresta e as asas coloridas das borboletas, quando de repente, Bonifácio que me seguia, gritou:
- Padre! Padre! Uma sucuri! Pare. Pare!

Parei e vi de um lado do trilho uma cobra grossa e malhada. Estava enrolada e dormia. Podia ver-lhe a cabeça. Imediatamente peguei o revólver e arrebentei-a com dois tiros certeiros. O animal foi-se desenrolando e espichando. Era horrível, espantosamente grossa! Estava com a barriga cheia e quase não podia se mover. Tinha seis metros e meio. Depois de meia hora estava morta.

Com meu facão abri-lhe a barriga em sentido longitudinal e tirei toda a pele. Então, pude constatar que havia comido um cabrito. Descobri por causa dos pelos que estavam na carne. Após curtir a pele por alguns meses, mandei-a ao Reverendíssimo Pe. Tarcísio Martina, vigário de Santa Cruz em Milão, na Itália, que a vendeu por várias centenas de liras.

Tais cobras não são venenosas, mas são perigosas porque apertam o que desejam matar e comer. Geralmente as cobras constritoras são compridas e grossas; colocam-se ao lado de alguma poça de água ou riacho e esperam que algum cabrito, cordeiro ou bezerro venha beber água. A cobra se ergue de repente com a cabeça e a metade do corpo e atira-se sobre a presa que é apertada até morrer. Em seguida, vomita sobre ela uma baba que em poucas horas torna a carne da vítima macia e tenra. Então, em pequenos pedaços a devora e dorme.

As cobras são uma das pragas do Brasil, juntamente com as formigas e os gafanhotos. As cobras do Brasil são quase todas venenosas, e existem algumas que, em tempo de calor, matam quem for picado em três ou quatro horas.

Ir. Domingos chegou a um estado crítico e creio que teria morrido se não fosse socorrido imediatamente com uma injeção anti-ofídica de permanganato. Uma noite em Águas Claras ele estava quase dormindo. Ao sentir frio, levantou-se para pegar uma coberta pendurada em estacas grosseiras, rebocadas com barro misturado à palha que sustentava as paredes de certas casas de gente pobre. Ali perto estavam as selas e debaixo de uma delas escondera-se uma jararaca, que é cobra de veneno terrível.

Ou porque Ir. Domingos a tivesse tocado com o pé ou passasse muito perto, o fato é que ela o mordeu no peito do pé direito e fugiu. Ir. Domingos percebeu imediatamente e gritou. Pe. Ferrúcio, que viajava com ele, saiu em seu socorro. Acorreram também outras pessoas da casa e procuraram remediar logo como costumam fazer os caboclos do sertão. Mas não foi suficiente. Meia hora depois Ir. Domingos, quase cego, começou a vomitar um suco amarelo. Amarraram-lhe a perna logo acima da picadura e correram para Tibagi em busca do permanganato que - fato raríssimo - o padre tinha esquecido de levar consigo.

No dia seguinte temeu-se gangrena, pois a perna estava quase preta. Tratou-se sem mais delongas de levar Ir. Domingos para o Hospital de Ponta Grossa. Lá foi tratado pelo Dr. Burzio, mas somente três meses depois pôde deixar o Hospital. Ainda depois de muitos anos, quando mudava o tempo, Ir. Domingos sentia dores.

Em São Paulo havia um Instituto anti-ofídico, o Butantan. Era um dos maiores do mundo. Fechadas em vários recintos circundados de água, existiam lá centenas de serpentes de toda qualidade e tamanho. Vários médicos estudavam o veneno de cada uma: faziam morder propositalmente coelhos ou cachorros, mas especialmente cavalos, para depois manipular e extrair o soro salvador do sangue envenenado.

Podia-se visitá-lo, o que fiz. Os médicos davam explicações e mostravam onde as cobras guardavam o veneno e como o injetavam nas vítimas. Diziam que as cobras não correm atrás do homem, mas somente dão o bote, esticando metade do corpo. Portanto, não se devia aproximar dela; aconselhava-se a usar um bastão bastante comprido para matá-las. O facão não servia, era perigoso.

Quem mandasse pelo correio (e era fácil fazê-lo e sem despesa para o remetente) qualquer cobra ou aranha, (existiam muitas, grandes e venenosas) ao Butantan, poderia receber gratuitamente várias ampolas de soro, uma seringa, um laço de cabo comprido para apanhar serpentes e uma caixa adequada para a remessa. Nós conseguimos diversas vezes o material pelos despachos que fizemos.

Outro flagelo, os gafanhotos apareciam a cada três ou quatro anos. Formavam nuvens que cobriam o sol. Milhares voavam e pousavam nos campos; destruíam tudo, deixando apenas o talo das plantas. Depois se aninhavam no chão, deixando uma infinidade de ovos, dos quais em poucos dias nascia a mesma quantidade de animais. Os colonos tratavam de enxotá-los quando percebiam que queriam pousar nos campos. Todos, adultos e crianças, homens e mulheres, uns com latas de querosene vazias, outros com madeira, com tambores faziam um alarido infernal para espantá-los. Às vezes conseguiam, mas comumente os gafanhotos esfaimados não se importavam com o barulho e invadiam o campo. Era a ruína, a desgraça! Rapavam tudo. O camponês os amaldiçoava e chorava.

Existiam formigas de várias espécies. Os caboclos temiam especialmente as avermelhadas. Elas escavavam verdadeiros túneis subterrâneos; multiplicavam-se de maneira surpreendente. À noite pelavam as plantas. Geralmente as destruíam por causa dos túneis. Tentaram-se vários venenos, quase todos ineficientes.

Existiam também os cupins que fabricavam casas com três ou quatro metros de altura. Pareciam pequenas torres. Elas eram duras, de barro tão bem temperado que somente uma boa picareta poderia quebrá-las e derrubá-las por terra. Eram animais grandes. Os índios retiravam suas asas e pernas. Fritavam-nos em óleo de capivara ou de cateto e os comiam. Por três ou quatro vezes encontrei-me na necessidade de comer com os índios vermes tirados de paus podres. Jamais experimentei cupins.

Na mata era fácil encontrar grossos troncos de velhas árvores caídas e em putrefação. Lá dentro se viam, movimentando-se, grandes vermes amarelados. Os índios os recolhiam, cutucando-os com pedaços de taquara e os levavam para as cabanas. Derretida um pouco de banha de qualquer animal em uma panela de barro, apertavam os vermes com os dedos em sentido longitudinal, retirando toda a parte aquosa. O resto era fritado e saboreado. Provei-os três ou quatro vezes. Não tinham gosto algum. O sabor assemelhava-se à vagem seca do feijão. O missionário que não tivesse farnel e chegasse a um acampamento com fome, deveria resignar-se ao que encontrasse ou lhe fosse colocado à frente. Na maioria das vezes eram vermes ou peixes podres, fedorentos e pescados havia um mês ou mais.

E os telegramas dos índios? Vocês podem ter uma idéia? Suponhamos que um índio tivesse feito uma boa caçada; tivesse matado, por exemplo, um cateto, um veado ou uma onça. Ele queria avisar outros índios que viviam longe. O que fazia? Cada índio tinha o nome tirado de uma planta. Por exemplo, um se chamava bambu, outro taquara, um terceiro cipó, e assim por diante. Taquara, por exemplo, matou um cateto. Então ele entrava no bosque e cortava uma cana de taquara. Limpava um lado do trilho e nesse espaço fincava a cana cortada que levava seu nome, colocava na ponta um pouco de pelo do animal morto, inclinando a cana na direção do mato onde o matara; a cana ficava inclinada segundo a altura do sol daquela hora; ia embora. Um outro índio passava por aquele trilho e sabia que Taquara tinha matado um cateto (o pelo estava ali) naquele mato a tal hora. Então o que avistara o telegrama ia à cabana de Taquara e comia com ele o cateto.

Assim se transmitiam muitas outras notícias. Porém o mais das vezes serviam-se de cavaleiros que faziam viagens de semanas e meses. As notícias se espalhavam por todo canto em pouquíssimo tempo.

Recebi a triste notícia da morte violenta, pelas mãos dos salteadores, de minha irmã, Missionária na China em 1915.

Para nossas compras e para tudo que fosse necessário íamos a Ponta Grossa, cerca de cento e vinte e cinco quilômetros de Tibagi. Saía-se com o faéton (condução de quatro rodas puxada por dois cavalos). Empregava-se dois dias para chegar. Ficava-se na casa dos padres do Verbo Divino da Província alemã. Depois de tudo concretizado, mais dois dias para a volta a Tibagi.

Após dois anos neste tipo de vida, Pe. Ferrúcio me disse:
- Vou a São Paulo e voltarei com um automóvel.
Pensei que fosse brincadeira. Uma semana depois vi quase à noite, duas luzes diferentes do outro lado do rio. Chamei Ir. Domingos e conjeturamos: Será ele? Sim! Não! Possível? Será? Não será?

Era ele mesmo. Tinha encontrado um jovem motorista em Castro e, juntos de automóvel, inauguraram a estrada. Era um Ford antigo, mas bem adaptado para as estradas Tibagi-Castro e Tibagi-Ponta Grossa. Em dois dias aprendi a dirigir. Foi um privilégio.
Não mais era preciso programar para ir e voltar de Ponta Grossa. Daquela data em diante bastavam dois dias somente!