27. EM IMBAUZINHO


Fiz sete léguas de Monjolinho a Imbauzinho. Aqui encontrei um grande povoado. Existia no lugar uma capela linda, uma verdadeira igreja. Possuía uma escadaria de madeira, tendo defronte uma praça cercada de cinamomos e de outras árvores. Havia algumas vendas bem fornecidas de mercadoria. O povoado tinha representante do Coronel Borba, Prefeito da Comarca de Tibagi.

Cheguei à noite. Mal tive tempo para jantar. Fui colocado ao par de tudo por Pedro Machado, chefe da comunidade.

Na Missa da manhã seguinte, muita gente com inúmeras crianças. Imaginem que abençoei durante a Missa 8 casamentos todos juntos, e depois da missa, em um primeiro turno, fiz 51 batizados! Tomei rapidamente uma xícara de café com um ou dois pedaços de queijo e comecei o segundo turno de batizados: mais 18 todos juntos, chorando e gritando. Com o calor de janeiro e cansado, de vez em quando tinha a impressão de que iria cair. Chegaram outros noivos e abençoei mais 4 ou 5 casamentos.

Meio dia. Pensei em ir almoçar na casa de Pedro Machado (bom homem!). Mas, chegaram a galope, em esplêndidos animais, um noivo e uma noiva com os respectivos acompanhamentos. Pediram para abençoar logo e depressa o seu casamento. Eram de longe e deveriam voltar o mais rápido possível.

Pedro Machado avisara-me na véspera:
- Cuidado! Amanhã deverá chegar um noivo que quer enganar o padre; ele casou-se na Igreja com uma mulata e a abandonou; esta ainda está viva. Mais tarde, ele se uniu com outra mulher, civilmente, e a mataram numa briga. Agora quer casar-se com uma terceira mulher e na Igreja. O senhor poderá identificá-lo rapidamente. Tem na fronte um sinal profundo, que lhe fizeram com uma bala de revólver numa briga.

Era justamente o tal. Reconheci-o imediatamente por causa da cicatriz.
- Padre, eu quero me casar agora e depressa, disse, porque sou de longe e nós queremos voltar logo.
- Mas agora, eu gostaria de almoçar! E se fizesse o seu casamento mais tarde?
- Não, não, padre, nós queremos agora e depressa!
- Nossa Senhora! O que tens? Fogo em algum lugar do corpo?

Preparei tudo, e estando com roquete e estola no supedâneo do altar, perguntei às testemunhas:
- Vocês sabem se existe algum impedimento entre estes dois noivos?
E eles:
- Não consta; não consta.
No entanto da porta da capela Pedro com a cabeça fazia um sinal afirmativo.
- Sabem, pois, se existe algum impedimento?
- Não, Padre, não há algum impedimento.

Atirando com força o lápis no chão, disse com raiva:
- Contudo não faço este casamento! Não posso fazê-lo.
- Mas, por quê? Perguntou o noivo junto com os demais.
- Por quê? Quantas mulheres você quer na vida?
Enumerei as que tivera, dizendo que a primeira ainda estava viva!
- Você queria enganar o Padre! E poderia ter enganado! Mas não teria enganado a Deus que o conhece muito bem e o julgará!

Passando pelo meio do povo fui tirando a estola e o roquete. Saí da igreja. Estava a poucos passos abaixo da escadaria quando o pai do noivo saiu pela porta da igreja. Levantou a mão com o revólver, gritou:
- Amanhã, no sertão, me dirás que se faz ou não o casamento de meu filho.
Respondi:
- Então venha bem cedo, que nos encontraremos na fresca do dia.
Fui almoçar.

Comentei o acontecido com Pedro e com Bonifácio. Este exclamava: "Que raça de gente! Que coragem eles têm!"
Pedro me disse:
- Padre, tenha cuidado. Aquele homem é capaz de tudo! Amanhã, o senhor pode mudar de estrada.
- Eu? Mudar de estrada? Por que? Que culpa tenho eu? Ele quer me matar? Veremos!

Carreguei o revólver por causa das onças que poderia encontrar no sertão. Oras bolas! Alguém quer me prejudicar sem que eu tenha culpa? Minha pele vale tanto quanto a dele; para mim, mais ainda!

Iria para Coqueiro no dia seguinte pela estrada de sempre, não tendo a mínima idéia de mudar rota. No entanto, o tal da cicatriz na fronte e o pai andavam por Imbauzinho, dentro e fora das vendas, dizendo que matariam o padre.

Celebrei a santa Missa, terminei tudo e, preparados os cavalos, chamei Bonifácio de lado e lhe disse:
- Bonifácio, você tem revolver? Muito bem, fique prevenido. Eu irei à frente e você me seguirá. Aquele sujeito prometeu me matar; se nós o virmos primeiro, pronto para executar as promessas, atire você ou atirarei eu! Atiraremos nas pernas, se for possível, e se não, onde puder.

Saímos, caminhando devagarzinho, olhando atentamente todas as árvores grossas e todas as saídas de caminhos. Eu, sempre com a mão no "Steyer" que mantinha engatilhado.

Pedia à Virgem Bendita que não deixasse acontecer nada de grave. No entanto, eu me decidira, pois estava com a razão a meu lado. Deus quis que nada acontecesse! Não vi ninguém! Ninguém me fez nada.