34. VINDA DE PE. PELANDA. SONDAGENS.


Uma grata notícia alegrou Pe. Alexandre e todos nós: Pe. João Batista Pelanda partiria em breve da Itália para juntar-se a nosso grupo. Seríamos quatro sacerdotes.

Eu, considerando quanto seria complicado se um de nós adoecesse, propus a Pe. Alexandre a fundação de uma nova casa no Estado de São Paulo. Com certeza ficaríamos mais seguros; poderíamos ter melhor tratamento médico. Outra razão era a expansão para outros lugares já que viriam da Itália outros missionários.

Apareceram algumas dificuldades, mas não insolúveis. Uma delas era a separação entre nós que isto ocasionaria! Contudo, decidiu-se afirmativamente.

Parti para São Paulo. Acompanhado pelo caríssimo Pe. Faustino apresentei-me ao Arcebispo D. Duarte Leopoldo e Silva. Recebeu-me numa salinha. Expus o motivo da visita. Quando ouviu que eu era estigmatino ficou sério e respondeu-me irritado:

- Sinceramente não posso oferecer um lugar para os padres estigmatinos. Eles já deveriam estar aqui desde 1900! O seu superior havia combinado com o bispo Dom José, prometendo-nos seis padres! O bispo morreu num naufrágio e os padres não vieram! Como se pode faltar com a palavra desta maneira? Não posso confiar, não posso confiar! Enquanto falava, apertava nas mãos o barrete, amassando-o quase todo.

- Excelência – respondi – sinto muito! Mas, um pobre súdito não deve pagar pelo erro do Superior! Posso garantir que estamos cheios de boa vontade para trabalhar e fazer o bem! Se Vossa Excelência puder nos oferecer algum lugar ficaremos contentes e felizes! Caso contrário, queira nos abençoar e seja feita a vontade de Deus!
- Atualmente não tenho lugar vacante! Veremos, veremos. Se aparecer algum será para vocês.

Beijei-lhe o anel, deu-me a bênção e saí. Não tendo conseguido nada e percebendo que seria muito difícil angariar simpatia do bispo, dirigi-me ao bispo de Campinas, D. João Neri, também no Estado de São Paulo. Bom, calmo, sorridente, o bispo de Campinas me recebeu, estando presente o vigário geral, Mons. Mamede, mais tarde consagrado bispo auxiliar. Também aqui expus com sinceridade o motivo que me levava a procurar um bispo.

Eles pensaram, pensaram, e pareciam não encontrar um lugarzinho para nós. Após um tempo, o bispo consultou o vigário geral e me disse:
- Sabe, padre, teria Limeira. Fica a quarenta e cinco minutos daqui, pela estrada de ferro. Em Limeira, bonita cidadezinha, além da igreja Matriz há a igreja de Nossa Senhora da Boa Morte, que pertence à confraria homônima. Já de há muito os membros da associação me pedem um padre. O senhor poderia ir até lá, ver e conversar com o presidente. Poderia morar perto da igreja, cuidar dela e combinar tudo. Vá e veja; eu ficaria contente!

Agradeci e tomei o trem para Limeira. Procurei o vigário e com ele visitei a bonita e espaçosa igreja Matriz e a igreja da Boa Morte. Esta é também bonita e espaçosa. Possui nave única e dos lados, no alto, as tribunas do tamanho da igreja, com grandes janelas altas e claras, que dão para a igreja e para fora.
- Aqui, disse-me o vigário, vocês poderiam morar e guardar seus pertences.

Procurei mais tarde o presidente da Confraria da Boa Morte e com ele visitei mais uma vez a igreja e todas suas dependëncias. Parecia-me um bom lugar e poderia servir de trampolim para qualquer outro, no estado de São Paulo.
- De minha parte estou satisfeito e aceito; reservo, porém, a resposta definitiva após uma conversa com Pe. Alexandre.

Na volta agradeci ao bispo de Campinas, ao qual, mais tarde, escrevi uma carta, e continuei para São Paulo, de onde tomei o trem para o Paraná.

Relatei tudo a Pe. Alexandre e Pe. Ferrúcio, deixando-os pensar para decidir. Eu tinha viagem de Missão.

Desta feita levei Ir. Domingos que me serviu de sacristão. Ele se admirava se tudo. Era de boa prosa, à tarde após a reza, com os caboclos. Não se lamentava da comida. Sem fazer observação alguma dormia por terra sobre couros e pelegos. Lamentava-se tão somente da sela que era dura e lhe custou uma ferida na parte sul. Por isso foi obrigado a cavalgar de lado. Fiquei com pena dele! Mas qualquer um precisava passar por tais provas para ser bom e tenaz cavaleiro.

A viagem durou somente 20 dias. Houve os costumeiros batizados, casamentos, breves homilias e instruções.

Durante a noite, enquanto os animais pastavam no potreiro na aldeia de Monjolinho, uma cobra mordeu a barriga e uma perna de um cavalo, que encontramos morto no dia seguinte. Fiquei aborrecido, pois era um animal saudável, já bastante acostumado às viagens de Missões. Restaram-nos somente dois animais e muita bagagem para carregar. Pensei, então, em comprar uma mula, nova e forte. Foi difícil encontrá-la, pois quem tinha mula boa e nova, não a vendia. Se por acaso quisesse vender, era sinal de que era velha, não prestava ou tinha defeito.

Um dia, atravessando um campo, vi muitos animais e entre eles uma mula que parecia um encanto. Não era alta, mas rápida como relâmpago; peito largo, crina bem tosada e pernas que só mostravam músculos! Nascera no campo. Era ainda xucra, mas não me intimidei. Eu era bom cavaleiro, tinha 29 anos e força incomum. Procurei o dono e cuidei do negócio, que foi concluído. Pedi ajuda para colocar a sela. Tentaria domá-la.

A mula bufou, tremeu, deu coices rápidos. O caboclo a segurou torcendo-lhe uma orelha. Ela abaixou a cabeça e o freio foi colocado. Uma rédea bem esticada torceu outra orelha e o animal não se movia mais. Com uma corda se fez um laço, que foi colocado no pescoço da mula. Amarramos o resto da corda num casco traseiro para que ela não pudesse dar coice.

Estava tudo pronto. O freio era forte e a sela estava bem apertada na barriga. Montei e dei ordem para soltá-la. A mula era montada pela primeira vez. Saltou para a direita e para a esquerda, bufou, correu como vento pelos pampas. Eu me mantinha firme com as coxas apertadas. Olhava sempre a cabeça do animal. Com fortes puxões nas rédeas procurava dilacerar os cantos da boca do animal. Ela correu e eu a dirigi para uma colina. Correu para o alto. Estava toda suada e a boca ensangüentada. Eu a fustiguei ainda mais e ela deu sinais de que estava começando a ceder. Por oito ou nove dias fiz o mesmo. No décimo quinto dia estava totalmente domada e era a mais bela mula conhecida em Tibagi.

Na volta, encontrando-nos em Águas Claras, nos contaram que em Tibagi havia um novo padre e que Pe. Alexandre se movimentava com o auxílio de uma bengala. Apertamos o passo e chegamos. Encontramos Pe. Pelanda, recém chegado da Itália. Ele nos abraçou e nos beijou com dezenas de “oh” e “ah”. Vimos também Pe. Alexandre que se arrastava com a perna meio cicatrizada, apoiado em um bastão. Disse-nos:
- Meus caros, estou curado e pronto.

Procuramos infundir-lhe coragem e dar-lhes os parabéns. As felicitações deram resultado. Algum tempo depois, Pe. Alexandre podia-se dizer curado, embora a perna estivesse endurecida e ele mancasse.