29. EM ERVAL


Erval era um lugar bastante grande. Tinha uma igrejinha no meio da vila com um gramado ao redor. Havia algumas vendas, e se via boa movimentação no comércio. Fui para a casa de Ponciano, chefe da comunidade. Era bom, gentil e me tratou cordialmente. Contou-me sobre os numerosos batizados e casamentos que deveria fazer no dia seguinte. Informou-me sobre Amantino Bueno, que, pelos seus assassinatos, infelizmente tornou famosa a vila de Erval. Disse-me:
- Amanhã, certamente o verá, e se quiser poderá conversar com ele.

No dia seguinte, bem de manhãzinha, vi um homem, beirando os quarenta anos, que passeava para lá e para cá e parava de vez em quando perto da igrejinha. Ele tinha uma carabina pendurada nas costas passando-a debaixo do braço. Perguntei e Ponciano disse-me que era o Amantino. Pensei com meus botões: “Com a desculpa de pedir-lhe um favor posso vê-lo de perto.”

Pelo que diziam, Amantino cometera quatro homicídios. Ninguém tinha coragem de entregá-lo à polícia. Esta não se arriscava a entrar neste intrincado matagal para prendê-lo junto com outros assassinos, que viviam aqui, pois se sabia que nenhum soldado voltaria vivo para Tibagi! São muito unidos entre si, esses malfeitores! Em Erval todos os homens e não raramente as mulheres tinham o costume de ir à igreja para a missa ou batizados e casamentos armados de revólveres e facão. Acontecia que esquentados pela pinga em grande quantidade, por ocasião da festa, começavam a discutir entre eles. Não era raro que o padre, vindo a Erval, devesse assistir pessoas doentes, com sangramento, talvez até vê-las morrer. Para evitar tantos inconvenientes, pensei num meio que deu ótimo resultado.

Aproximei-me de Amantino, que estava perto da igreja, parado, com a carabina às costas. Ele, apenas me viu, fez inclinação; eu correspondi gentilmente, e depois acrescentei:
- Amantino, sei que o senhor é um homem muito serviçal. Quero pedir-lhe um favor.
Ele imediatamente pegou a carabina com a mão direita e me ouviu. Talvez pensasse que eu fosse pedir para matar algum inimigo.
- Padre, estou às suas ordens!
- Veja, Amantino, quando há festa com a vinda do padre, aqui se reúne muita gente para o serviço religioso, e como o senhor sabe, todos vêm armados, de tal modo que à tarde, quentes com a pinga, brigam e se ferem. Eu queria que você dissesse a cada um que vier para a festa que deixasse sua arma na casa onde se hospeda ou no porão debaixo da igreja. Assim haveria menos perigo para todos.
- Padre, deixa comigo. Asseguro-lhe que hoje ninguém portará arma alguma.
- Se realmente isso acontecer, esta tarde lhe pagarei uma garrafa de vinho ou de pinga.
- De acordo, padre.

Pouco depois chegaram dois homens à cavalo, galopando. Dirigiram-se à igreja. Amantino estava lá. Colocou-se diante deles. Pararam de repente. Ele disse-lhes algo e vi que os dois apearam, tirando o revólver e o facão. Colocaram-nos no porão da igreja. Então tive a certeza de que as cerimônias correriam como eu desejava. O pessoal todo da região temia aquele homem! Chegaram muitos outros, e todos se mostraram obedientes como os dois primeiros. Fiz 49 batizados e 11 casamentos. Presentes, um mar de gente. Nenhum ferido! Nenhuma briga!

À tarde encontrei-me com Amantino. Bati-lhe nas costas e lhe disse:
- Parabéns, Amantino.
- Então, padre, como foi?
- Ótimo! Agora me diga, vinho ou pinga?
- Pinga, padre, pinga. Ela é boa tanto para o frio como para o calor.
- Muito bem vá naquela venda, beba e pagarei.
Afastei-me com medo de que fosse ele o primeiro a brigar ou a ferir alguém.

Contaram-me que seu último assassinato tinha sido há sete ou oito meses. Um jovem, viajante de uma casa comercial de Ponta Grossa, viera a Erval oferecer suas mercadorias para os negociantes. Encontrando-se numa venda, onde estava também Amantino, começou a discutir com ele não sei por que motivo. Durante a discussão, o jovem, considerando-se importante por morar em Ponta Grossa, ofendera Amantino com palavras injuriosas. Este, que já tinha bebido bastante, voltara-se várias vezes para bater-lhe e lhe dissera também: "Cuidado, rapaz, que te bebo o sangue."

Aconselhado por muitos, o jovem saiu para uma outra venda, e saindo dirigiu xingamentos a Amantino, que ainda continuou um tempo bebendo pinga. Deixou a venda, montou seu cavalo e dirigiu-se para a venda onde entrara o jovem. Esperou fora. Quando aquele saiu, vendo Amantino, montou depressa em sua mula e tentou fugir. Amantino foi-lhe ao encalço, e alcançando-o, deu-lhe um tiro de revólver na nuca que o fez cair da sela. Amantino pegou o facão e deu três ou quatro golpes na cabeça do infeliz, deixando-o morto sobre a relva. Montou novamente e foi mato a dentro. Avisaram a polícia de Tibagi e Ponta Grossa. Qual fora o soldado que teve coragem de entrar naquele sertão para buscar o assassino? Nenhum!

Os assassinos por aqui formavam uma terrível sociedade! Desta forma, ficavam escondidos na mata e faziam o que queriam. As mortes violentas e o ódio eram freqüentes no meio
deste povo que tinha o caráter mais selvagem do que forte. A instrução era mínima, e a prática da religião era mais superstição do que fé. Ambas não eram suficientes para contê-los. As conversas, na maioria das vezes, versavam com naturalidade sobre brigas, mortes, como se abriu a barriga do outro, ou se o golpe foi bem dado ou não. Ninguém se espantava! Coragem, missionário do Senhor! O caminho ainda é longo e árduo! O bom Deus saberá como e quando a conversão poderá acontecer.