42. REFORMAS NA IGREJA. DOENÇA NA FAMÍLIA


O primeiro trabalho de que me ocupei foi a reforma do pavimento da igreja de Castro. A igreja tinha 52 metros de comprimento por 14 de largura. Não somente consegui o dinheiro necessário, mas durante um mês trabalhei de carroceiro, cavador e carpinteiro.

Mandei fazer e paguei até o último centavo todos os bancos de imbuia da capela do Santíssimo e comprei também o esplêndido baldaquim em vidro historiado, que cobre o altar. Fiz a capela de Nossa Senhora de Lourdes, do lado oposto à do Santíssimo. A gruta muito bonita agradou a todos; belíssimas as imagens da Imaculada e de Bernadete.

Encomendei o altar de mármore que chegou de Pietrasanta, na Itália. Renovei o forro e coloquei proteção de ferro nas janelas, com o monograma de Maria no centro. Tudo foi pago até o último centavo.

Para dar ar mais alegre e festivo, coloquei rodas nos cinco sinos e os tocava como se costuma na Itália. O conjunto foi um trabalho intenso, um tanto árduo. Os paroquianos, porém, me ajudaram prontamente com suas generosas ofertas, com mão de obra, por meio de tômbolas e leilão, de modo que não foi deixada a menor dívida a meu sucessor.

No dia 3 de fevereiro de 1924 recebi a notícia da grave doença de meu pai, na Itália. O Superior Geral visitava as casas da América do Norte. O Vigário Geral, Pe. Ricardo Zambiasi, mandou-me um telegrama: "Papai ainda vivo. Venha". Imediatamente tratei de viajar.

Pe. Mantovani recolheu os poucos contos de réis que Pe. Albino Sella havia deixado na visita feita oito dias antes. Entregou-me o dinheiro e disse:
- Em Rio Claro, Pe. Albino lhe dará o restante necessário para sua viagem.

No dia 13 de fevereiro parti para Castro com trezentos mil réis e cheguei a Rio Claro no dia 14 à tarde. Mas, em Rio Claro não tinham dinheiro para me dar. O que fazer?
- Você tem muitos amigos aqui, disse Pe. Albino. Peça o dinheiro emprestado. Peguei meu chapéu e saí procurando dinheiro para a viagem, pois o navio "Júlio César" partiria no dia 16, de Santos.

Encontrei o amigo Cristofoletti, meu companheiro de doença no tempo da espanhola! Expus minha situação e ele emprestou-me um conto de réis! Escrevi a Pe. Mantovani, que se comprometeu a lhe pagar no mais breve tempo possível. Agradeci e parti para São Paulo, pois não havia tempo a perder!

Encontrei na estação Pe. Alexandre que me esperava. Expliquei-lhe logo minha situação e nos dirigimos aos padres Beneditinos, onde conhecíamos Pe. Landi, o administrador. Ele ficaria feliz em poder me satisfazer; mas, o Abade não estava em casa. Não se sabia o dia de sua volta.

Bastante tristes, procuramos Pe. Faustino, querido e santo sacerdote que nos ajudara sempre, desde os primeiros dias de Brasil. Ele que tinha um coração de ouro daria tudo para fazer caridade. Contei-lhe minha triste história. Ele se aconselhou com Pe. Conrado Stefani, querido amigo nosso, e depois me disse:
-Veja, padre, devo mandar ao meu superior, em Roma, seis contos de réis. Eu lhe entregarei o dinheiro: gaste o que for preciso e, chegado à Itália, por meio de seus superiores, complete a quantia e a entregue ao meu Superior.

Foi uma intuição do grande coração de Pe. Faustino. Agradeci-o de coração e corri com Pe. Alexandre ao consulado italiano para o passaporte. Fizeram-nos esperar longo tempo. Finalmente fomos recebidos, mas o passaporte não pôde ser feito logo. Exigiam-se três ou quatro dias. Dissemos que o navio partiria no dia seguinte e não esperaria ninguém.
- Mas eu não o conheço, disse o empregado, e a palavra de seu companheiro não é suficiente.

Onde encontrar uma testemunha que fosse conhecida pelo consulado e que me conhecesse? Então, Pe. Alexandre lhe disse:
- Senhor, telefone a Curitiba, ao cônsul italiano Zanchetta, e saberá quem é Pe. Adami. A senhorita datilógrafa chamou o cônsul Zanchetta em Curitiba e lhe perguntou se ele conhecia, por acaso, Pe. Adami.

O senhor Zanchetta respondeu que eu tinha sido seu substituto, seu vice-cônsul em Tibagi, e que não criasse dificuldades para o passaporte. Que seria uma tolice duvidar de alguém que tinha merecimentos, trabalhando para o consulado da Itália gratuitamente no passado. Enfim, consegui o passaporte. Pude comprar a passagem de ida e volta para a Itália e partir com o "Júlio César".

Era um belíssimo navio com quatro hélices, e em onze dias levou-me a Gênova.
No navio, durante a viagem, houve pequenos episódios, como o do tal que, acreditando ser superior a outros, queria iludir os demais nos jogos de bordo, nas conversas e conhecimentos marítimos. Tudo isso nada seria se a conversa não se misturasse a contínuas blasfêmias.

Certa vez protestei em alto e bom som, dizendo-me muito surpreso que em um navio de alta classe houvesse gente de tal laia. Em segunda classe, sim, poderia haver gente tão vulgar e sem respeito para com Deus e para com os passageiros. Vários se uniram a mim. O sujeito que imprecava levou a mal e revoltou-se, fazendo ameaças. De repente, um homem grande e forte, da região de Vincenza, que ia à Itália em busca de trabalhadores para suas grandes plantações de algodão no Brasil, foi ao encontro do blasfemador e com dois murros o prostrou por terra. Procuramos acalmar os ânimos e pôr fim à questão, com a condição de que não se proferissem mais blasfêmias. Ou porque o blasfemador tivesse refletido sobre seu mau comportamento, ou porque os dois socos o tivessem intimidado, o fato é que não se ouviram mais tantos palavrões.

Muito mais bonito foi o outro episódio que me tocou bem de perto. Um casal viajava de volta para Roma. Ele, um empregado da Singer; ela, uma senhora de cara e lábios pintados. Na hora do almoço encontravam-se numa mesa em frente à minha, a uns dez metros de distância. O marido não devia enxergar direito, pois ia a Roma para tratamento de vista. A tal senhora olhava-me e voltando-se para o marido, como se lhe falasse ao ouvido, ria e murmurava algumas palavras. Eu via aquilo e continuava meu almoço, saboreando um gostoso copo de vinho. Que culpa tenho eu se o Senhor deu-me boa saúde, um colorido bastante vermelho, e um nariz grande?! E aquela senhora olhava para mim, ria e depois dizia ao marido:
- Veja que narigão tem aquele padre! Olha como é vermelho!

Pensei com meus botões: “Espera um pouco que te curo.”
Levantei-me da mesa, fui até a senhora e lhe disse:
- Parece-me que a senhora está incomodada comigo e com meu nariz! Saiba que se é grande sou eu quem o carrega! É vermelho, porque como, bebo vinho e trabalho.
- É verdade, observou ela!
- Oh! O que está dizendo? A senhora que fique quieta, pois não sei quantos narizes a senhora conhece!
Foi um golpe fatal! Aquietou-se de uma vez. Antes de desembarcar em Gênova pediu-me para rezar a Santa Luzia por seu marido.