2. A PARTIDA



Dizeres no verso da foto:
"batida no dia 6 de novembro de 1910,
no pátio dos Estigmas, antes da partida
de Pe. Alexandre Grigolli para Udine-
Trieste-América do Sul".


Era o dia seis de novembro de 1910. O sino dos Estigmas chamava os religiosos para o refeitório. O superior da casa Pe. João Batista Tommasi nos abençoou em nome do Superior Geral no corredor escuro de Santa Teresa.

Por muitos anos este local foi o lugar de nossos passeios vespertinos nos dias de chuva. E também nos vira preocupados com livros de teologia nas mãos, esperando o sinal para as aulas. Na estação de Porta Nova, tomamos o trem que nos levou a Udine, onde encontramos Ir. Domingos, nosso companheiro de viagem.

vista de Verona
Ao ver a velha e querida Verona que se distanciava vinha-me o pensamento sobre quando poderíamos revê-la... quando entraríamos novamente na devota igrejinha dos Estigmas... quando ouviríamos os sons de seus sinos. Um momento de tristeza me envolveu. Pe. Grigolli, no canto do compartimento, chorou. Voltou-se para mim e disse:
-Ah! Se você pudesse imaginar como minha mãe se despediu de mim! Que palavras eu ouvi!

Procurei distraí-lo e distrair-me. Abrindo a mala tirei um frango assado e uma garrafa de nosso Valpolicella. Foi com o que jantamos no trem.

Em Udine, houve recepção cordial por parte dos confrades. Ganhamos alguns livros, alguns quadros e objetos de secretaria.

Na manhã do dia 8 de novembro, acompanhados pelo Pe. Piccoli, tomamos o rumo de Trieste. Ao chegar à estação de Cormons, limite da Itália com a Áustria, fomos interrogados por dois policiais. O sargento queria saber quem éramos. Bons tempos aqueles! Viajava-se para o Brasil sem passaporte! Pe. Grigolli tinha no bolso cartas dimissórias que o Superior dava quando alguém devia ser ordenado fora de Verona. Traziam seu nome e a assinatura do Pe. Superior Geral. Foi o que serviu de documento para nossa identidade.

O sargento quis ainda saber de onde vínhamos e para onde íamos. Como Pe. Piccoli respondesse um pouco secamente, o sargento ameaçou.
-Padre, não levante a voz, pois a cadeia foi feita também para o senhor.

“Per bacco!” O que estaria acontecendo? Por que tantas perguntas? Por que os policiais estavam procurando Pe. Sanson? Infelizmente, porque ele arrebanhara várias famílias de colonos na Itália e as conduzira para trabalhar no Brasil. Isso era proibido, sem licença especial do governo italiano. Pe. Sanson recebia do governo brasileiro uma quantia em dinheiro por família ou por pessoa. Podemos chamar isso tráfico de brancos? Creio que não. Ele era sacerdote e agia assim para dar às famílias a oportunidade de ganhar dinheiro, trabalhando no Brasil. E, por sua vez, o Brasil precisava de imigrantes. Explica-se, desta forma, o subterfúgio de Pe. Sanson em partir da Áustria num navio austríaco, ao invés de um porto e navio italianos.

A prisão continuava uma ameaça. Mas, os policiais, vendo que Pe. Sanson não estava conosco, foram-se embora. Nós prosseguimos para Trieste. Nossas caixas, malas e o pequeno harmônio já estavam no porto. Encontramos Pe. Sanson e fomos levados à Agência da Companhia Austro-Americana, onde tudo foi resolvido.

Marcada a saída para a tarde, fomos a Capodistria para cumprimentar os Pes. Hermínio Lona, Acler e Ludessi. Eles trabalhavam na direção do Instituto Grisoni, no catecismo das escolas públicas e no oratório da própria igreja. Fomos recebidos com demonstração de carinho fraterno e ainda recebemos muitos presentes. À tarde voltamos para Trieste.

Ao cais chegamos às 19 horas. Estavam presentes todas as famílias que viajariam conosco. Que confusão, meu Deus! Que alvoroço! Que gritaria! Gestos de despedida, lágrimas, beijos e abraços! O navio soltava uma grossa coluna de fumaça. Era o Atlanta, classe única, 75 metros de comprimento e 11 nós por hora. Transportava de tudo. Na cobertura, além de caixas, baús e bagagens de todo tipo havia, ainda, 15 vacas que serviriam de alimentação para os passageiros. É bom lembrar que na época não havia frigoríficos para manter a carne e as verduras frescas durante a viagem. Cada dia uma das pobres vacas ia para a mesa dos que atravessavam o Atlântico.

Precisamente às 21 horas, um apito de sirene deu o sinal de partida. Um sentimento de tristeza nos envolveu quando na escuridão da noite e ao clarão das lâmpadas elétricas, vislumbramos o abanar de lenços brancos dos que ficaram no cais. Era a saudação dos parentes, dos amigos e dos conhecidos que partiam para terras distantes e que, talvez, jamais voltassem. Depois de quinze minutos tudo desapareceu e deu-se início à vida de bordo com os companheiros, que deveriam formar uma grande família por longos e intermináveis dias.

O primeiro porto onde atracaríamos, seria Patrasso, na Grécia. Passaram-se algumas horas, e delas nos aproveitamos para por em ordem a cabina, as caixas e para pedir à Virgem que nos desse uma boa viagem.