4. GIBRALTAR


Gibraltar é um promontório rochoso, na província de Andaluzia, Espanha.

Vista de Gibraltar Tem perto de seis milhas de circunferência. Suas paredes, quase perpendiculares elevam-se à altura de 460 metros. O nome é uma homenagem ao general muçulmano Tariq ibn Ziyad que no ano de 710 d.C, construiu um castelo na região, cujas ruínas, ainda hoje, são objeto de grande admiração por parte dos turistas. A montanha ficou conhecida com o nome de Gibel Tariq, daí então o nome de Gibraltar. A população em 1908 era cerca de 25 mil pessoas.

Nosso navio após poucas horas de parada em Gibraltar, recebeu autorização para prosseguir viagem. Levantadas no mastro as bandeirolas de agradecimento e saudação, partiu com Deus.

Ainda bem que o mar tinha-se aquietado. Os passageiros parecendo despertar de um sono profundo, apareceram na coberta do navio. As crianças, ressuscitadas, riam e corriam entre as cordas, os barcos e os salva-vidas que estavam no convés; eram seguidas e vigiadas pelas mães.

As mesas do refeitório ficaram repletas. Todos se faziam presentes às refeições. Comiam, bebiam e riam contentes. O mar parecia um lençol de pluma, de tão calmo que estava. A água transparente deixava ver, por causa do azul, grandes delfins e outros peixes enormes, que acompanhavam o navio. Esperavam para abocanhar os restos da cozinha de bordo. De fato havia sempre muita sobra que se atirava ao mar. O céu mostrava um azul paradisíaco; muitas gaivotas nos acompanhavam com seu vôo calmo, planando, soltando de vez em quando um grito agudo. Desciam a pique sobre a água quando viam um pedaço de pão ou qualquer outra coisa lançada pelos passageiros e o pessoal da cozinha.

Que maravilhoso viajar por mar com tanta calmaria. Era possível inebriar-se com o ar marinho; ou sentar-se para folhear um livro da biblioteca de bordo; ou passar algumas horas com os amigos jogando baralho e bilhar; ou ouvindo música na sala principal do navio; ou escutando uma história divertida de algum viajante alegre; ou degustando um cálice de licor que o bar do navio servia por poucos centavos.

Uma vida calma, festiva, em que se esqueciam por alguns dias as misérias e as contrariedades da vida em terra firme; em que os pulmões se robusteciam com o ar oxigenado do mar; em que se ouviam tantas estórias verdadeiras, hipotéticas, alegres e curiosas, que nos faziam arrebentar de rir ou que nos deixavam de boca aberta sem nos dar a possibilidade de saber se fossem verdadeiras ou falsas.

Recordo-me de um indivíduo que a cada instante inventava uma nova história e a contava a quem lhe parecesse ingênuo ou que viajasse pela primeira vez de navio:
- A senhora não tem medo de viajar? Ele perguntou à mulher, que com um pequeno binóculo, perscrutava o mar. Não sabe que se uma baleia nos descobre é capaz de colocar a cauda por baixo do navio e nos afundar?
- Não! Pelo amor de Deus - respondia a mulher com os olhos arregalados. Terminamos ontem mesmo de dançar neste mar que parecia querer nos engolir, e agora você vem com essa! Oh! Não, não. Que as baleias fiquem bem longe, bem longe do navio.
E, no entanto, daquele momento em diante, ela passou a ter a impressão de ver, com seu binóculo, baleias a cada quinze minutos.

O mesmo brincalhão apresentou-se depois a um outro novato em viagens marítimas, que se admirava de tudo, e lhe disse:
- Sabe o que é o equador?
- O equador? Não sei, não. Mas... que será este tal de equador?
- Ah! Não sabe? Pois bem, eu lhe explico. O equador é um ponto que marca o centro do mundo. Hoje estamos no hemisfério norte e estamos na parte de cima do mundo; depois estaremos no sul, na parte debaixo do mundo. Entendeu? Pescou bem o que eu disse?
- Sim, sim. Agora estamos em cima e depois estaremos em baixo! Não é assim mesmo?
- Justamente. E você deve saber que dentro de alguns dias chegaremos a esta passagem. Ela é alta. Tem uma corcunda bem grande e o navio deve pular por cima dela. Todos nós seremos jogados para o alto. Não tenha medo: não há perigo, mas subiremos e desceremos como gangorra, todos juntos.
- Oh! Será que não pulamos o suficiente nos dias passados! Quer que eu passe por mais essa ainda? Ah, não, pelo amor de Deus...

E todos riam.
O coitado, porém, achegava-se a um e outro, e timidamente perguntava:
- É verdade que saltaremos o equador?
E se por sua desgraça encontrasse um outro gozador, este logo lhe respondia:
- Pois é claro, e que pulo, meu amigo! Eu mesmo já saltei duas, três, quatro vezes! Não é perigoso, mas é preciso saltar.

Num canto dois passageiros discutiam:
- Aquilo é peixe, sim senhor.
- De modo nenhum. São pássaros!
- Como podem ser pássaros aqui no meio do mar, tão longe da terra?
- Não há como negar. São pássaros. Veja como voam!
- Sim, voam, mas devem imediatamente mergulhar na água...

'voa' até 6 ms de altura e 90 de distânciaTratava-se dos chamados peixes voadores. Possuem barbatanas longas. São capazes de voar até quase cem metros enquanto as barbatanas estão úmidas; mas, tão logo elas sequem com o ar, não conseguem mais voar e devem mergulhar.

Vimos à grande distância um outro navio que fazia a mesma rota nossa. Outros que cruzavam cá e acolá e provavelmente iriam para a África. Encontramos um vapor italiano em rota contrária à nossa. Nós íamos e ele voltava da América do Sul. Nosso coração estremeceu. Saudamos com lenços e gostaríamos de gritar:
- Adeus! Boa Viagem! Saúdem nossos queridos parentes e amigos! Baccioni à querida terra! Tanti cari saluti! Ciao bella Italia! Auguri a tutti!