22. CURIOSIDADES E ESTÓRIAS - I


O título da Crônica de Pe. Adami “MINHA PRIMEIRA VIAGEM” foi dividido em seis partes:
a) três (números 19, 20, 21) são dedicados às atividades apostólicas;
b) três (números 22, 23, 24) referem-se a curiosidades e estórias da viagem.

O TAMANDUÁ

Deixamos a fazenda Fortaleza. Em certo momento, vimos formigueiros. Chegamos mais perto e descobri ao lado de um formigueiro uma mancha negra que se mexeu. Bonifácio gritou:
- É um tamanduá!

O tamanduá vive em campos infestados de formigas; nunca assalta por primeiro; logo que é visto corre até encontrar um esconderijo. Mas quando sente o perigo, pára, fica de pé sobre as patas traseiras, abre as patas dianteiras como um amigo que quer abraçar, e espera. Infeliz de quem experimentar aquele abraço! Dizem aqui, que na luta com a onça, o tamanduá morre, mas leva consigo no abraço apertado a sua assassina.

Não tinha nem revólver, nem facão. Aqui é necessário andar armado. Parei, de longe a contemplá-lo. Caminhei um pouco mais e ele, muito calmo, levantou as patas dianteiras, abrindo-as docemente. Na imensidão do campo parecia um solitário em oração; as terríveis garras me diziam que a oração terminaria se eu me aproximasse um pouco mais. Não o fiz. Estudei-o da cabeça aos pés e como a um velho amigo, disse:
- Até logo.
Continuamos o caminho.

A FORÇA DO ESPÍRITO SANTO

Na fazenda Monte Alegre presenciei uma cena que me deixou estupefato. Ao entrar em uma casa, vi num canto dum quarto uma pombinha de madeira, pequenina, enfeitada com fitas e tiras de papel colorido, com um colarzinho no pescoço, tendo uma lamparina acesa diante dela.

Perguntei e me responderam que era o Espírito Santo, muito adorado na região. O capataz, embora rude e pouco devoto, explicou-me que a pombinha fizera muitos milagres. Curara animais. Até mesmo um dos seus filhos gêmeos foi quase ressuscitado da morte! Nesse momento apareceu um outro dos seus homens, trazendo na palma da mão outra pombinha: a sua. Aquela seria mais milagrosa que a outra, além de mais bonita e maior. Tinha recebido animais de presente, porque fizera milagre até fora de casa. A conversa encaminhou-se de tal modo que quase deu briga entre os dois possuidores de pombinhas.

Bonifácio contou-me que em um outro lugar dois se pegaram a facadas devido ao maior ou menor poder das pombinhas, que simbolizavam o Divino Espírito Santo. Quem sabe o Senhor recompensará a fé ou crença religiosa, mesmo supersticiosa!

O RITUAL DO CASAMENTO

No sertão os casamentos são preparados e feitos com muita algazarra. O noivo a cavalo, acompanhado de parentes e amigos também a cavalo, chega montando um esplêndido animal. Todos soltam rojões e disparam tiros de pistola, gritando festivamente.

O noivo pára de repente o cavalo que galopa e salta por terra diante da porta da igreja ou capela. Enquanto isso, de outro lado chega a noiva também a cavalo, acompanhada por numerosas amigas, que igualmente sabem soltar rojões e disparar tiros de pistola. Galopam e gritam alegremente. Na porta da igreja apeiam.

São ótimos cavaleiros e amazonas! Vi-os sobre cavalos velozes, sem sela e só com um cabresto sem freio, passar por trilhos dos matos debaixo de árvores! Não caem e não se ferem. Às vezes, disparam o revólver ou pistola para reconduzir um cavalo ou uma vaca que foge. As mulheres são verdadeiras seguidoras de Anita Garibaldi!

NOIVA CONFUSA

Durante um casamento em Caeté perguntei ao noivo:
- Você quer receber Maria Joana por sua esposa conforme o rito da santa mãe Igreja?
- Quero!
Perguntei à noiva:
- Você quer receber José da Silva por seu esposo, conforme o rito da santa mãe Igreja?
- Eu? Não sei!
- Quem é que sabe? Perguntei.
- Meu pai lá é quem sabe!
- Mas não é seu pai que se casa! É você que deve responder se quer ou não!
O noivo, dando-lhe uma cotovelada dizia:
- Diga: quero; diga: quero!
E ela:
- Ah, é assim? Então quero. Quero.
Naturalmente, muitos riram.

OS REPENTISTAS

Em Caeté, após um dia inteiro de atividades voltei para a casa do chefe da comunidade para repousar tranqüilamente. Vejam o me aguardava. Entraram dois homens: um com uma viola e outro com um violão. Vieram para festejar e alegrar o padre. Saudaram-me cordialmente, me apertaram a mão e perguntaram:
- Como está vassuncê?

Sentaram-se um diante do outro, distante uns dois metros, e cuspindo várias vezes no chão, começaram tocar seus instrumentos.
Eram trovadores repentistas. Deixando-se acompanhar pela viola, o primeiro cantou com um tom entre alegre e melancólico uma estrofe em verso de improviso. Quando o primeiro terminou o outro respondeu, também com versos improvisados, uma outra estrofe. E assim fizeram por cerca de meia hora, recomeçando logo depois.

Eram competentes e hábeis. Se um errasse deveria suportar a zombaria dos demais e dar início a outro tema. Podiam propor qualquer tipo de assunto. Todos, porém, se referiram ao padre. Eles cantaram sobre a chegada do missionário e do pessoal que veio para a missão.

Jamais ofendem alguém. Cantaram, também, sobre a noiva que não soube dizer logo o "quero" e fizeram a plateia rir a mais não poder.

Naturalmente, o canto foi regado a pinga, que bebiam a pequenos goles. Mas, quando ficavam embriagados, salve-se quem puder. Levantavam a voz, cantavam rapidamente e faziam trovas maravilhosas! Diverti-me a valer, apesar de cansado pelo exaustivo trabalho do dia. Pe. Alexandre era apaixonado por trovadores! Apreciava-os muito! Ele também era poeta. Por isso sabia valorizá-los e julgar sobre a sagacidade de um e outro!

É VERDADE QUE O CAVALO CONSEGUE NADAR?


Todos os animais de casco fendido são nadadores. O cavalo não tem casco fendido; por isso, não pode nadar. Quando se trata de um rio pequeno, não impetuoso, pode atravessá-lo, sozinho. Mas se for um rio largo, fundo, deve ser mantido pelo cabresto com a cabeça fora da água. Caso contrário se cansa e há o perigo de pender a cabeça e não poderá trazê-la de volta por causa da grande barriga. Nestas condições morrerá afogado.